Opinião
Cinema e TV | Isto é uma coisa a ver: Hotel Palace
O que Polanski verdadeiramente nos mostra neste filme crepuscular é que, no final, quando a festa acaba e a sala fica vazia, nada de sólido parece ficar para além dos despojos de todos os excessos
Num hotel de luxo suíço juntam-se diversos membros da alta sociedade, uma estrela porno reformada, um cirurgião plástico de renome mundial, uma francesa solitária, um nonagenário que celebra o seu primeiro aniversário de casamento, a sua jovem esposa e herdeira de 22 anos, um grupo de muçulmanas de burka, um embaixador russo com um bando de mafiosos e as suas acompanhantes, um filho bastardo que pretende conhecer o pai, duas crianças gémeas e uma mãe que parecem saídas do The Shining, um investidor burlão, um bancário choninhas, um cão e um pinguim. Se acrescentarmos a este desfilar de personagens que a ocasião do encontro é a passagem de ano de 1999 para 2000, o resultado é o filme delirante realizado por Roman Polanski, que estreou em setembro de 2023, mas que só agora chegou às salas de cinema portuguesas.
A escolha do elenco é tão improvável quanto as personagens e o argumento (escrito por Roman Polanski e Jerzy Skolimowski), e conta, entre outros nomes menos conhecidos, com John Cleese no papel de Arthur William Dallas III, o multimilionário de 97 anos, provavelmente a personagem mais interessante do filme, Joaquim de Almeida no papel de Dr. Lima, o cirurgião plástico das socialites, Mickey Rourke como Bill Crush, o investidor que prepara um golpe financeiro para aproveitar o bug do milénio, e Fanny Ardant como La Marquise, a solitária dona de um cão infetado com vermes.
Todos estes atores, como o próprio Polanski, agora com 90 anos, e o restante elenco, estão no final das suas carreiras. Para alguns, este poderá efetivamente ser o último papel, o que faz perigosamente lembrar o filme O Crepúsculo dos Deuses, especialmente a cena em que Norma Desmond, interpretada por Glória Swanson, diz a Mr. DeMille que está pronta para o seu close up. O tom geral de decadência que a idade dos protagonistas naturalmente já proporcionaria ao filme é intencionalmente acentuado por Polanski, que o leva ao extremo da primeira à última cena. Todas as personagens são caricaturas, tanto físicas quanto psicológicas. As faces são desfiguradas pelo tempo e pelas cirurgias plásticas, as roupas são espampanantes e as conversas fúteis. Os afetos são tão postiços quanto os cabelos e as poses tão artificiais quanto os rostos. A falta de moral é escondida, como os corpos, pelo o brilho reluzente dos sorrisos e adornos. Nada no filme é natural, simples, contido. Tudo é excessivo e ao mesmo tempo profundamente superficial: as luzes, as cores, a música, o ruído, a comida, a bebida, a euforia a parecer disfarçar o vazio, a solidão e a falta de sentido que marca o fim de tudo, especialmente do tempo. Talvez por isso, Polanski escolhe a transição do milénio, um momento que foi de expetativa e esperança para quem nasceu em meados do século XX, mas que falhou em cumprir as promessas que encerrava, tal como o novo milénio parece ter falhado em cumprir as suas.
Não pretendendo ser um filme histórico, o anacronismo de escolher uma passagem de ano ocorrida há 24 anos só se pode explicar pelo pessimismo do próprio Polanski em achar que possamos inverter a marcha do tempo em direção a um fim, porventura trágico, fim esse anunciado pelos discursos de demissão de Boris Ieltsin e de tomada de posse de Vladimir Putin enquanto presidente interino da Rússia, proclamados a 31 de dezembro de 1999 e a que o espetador assiste através das televisões do hotel. Mas o que Polanski verdadeiramente nos mostra neste filme
crepuscular é que, no final, quando a festa acaba e a sala fica vazia, nada de sólido parece ficar para além dos despojos de todos os excessos.