Opinião

“Já te ouvi?”

17 mar 2023 11:25

Um dos muito temas em discussão política é a chamada “crise” da habitação. As aspas são para evidenciar que não estamos perante uma crise mas sim em presença de uma doença prolongada que não tem sido tratada

Meu caro Zé,
Um dos muito temas em discussão política é a chamada “crise” da habitação. As aspas são para evidenciar que não estamos perante uma crise mas sim em presença de uma doença prolongada que não tem sido tratada. Crise, segundo o “Grande Dicionário da Língua Portuguesa” da Sociedade Portuguesa de Autores, é “uma alteração para o melhor ou para o pior sobrevinda no curso de uma doença” e, no caso de ser, como é usualmente, para o “pior”, “conjuntura perigosa, situação  anormal e grave”.

Sem embargo de reconhecer que a pandemia, a guerra na Ucrânia, os “vistos gold”, a imigração, podem configurar alguns sinais de crise, a realidade é que o problema da habitação é estrutural e não tem sido tratado com o peso que um direito fundamental, tal como a saúde, exige. Assim, a conjuntura, dado que não houve nenhum desastre natural devastador que alterasse o stock habitacional, o que fez foi evidenciar a falta de tratamento da doença, ou seja, a manifesta ausência de qualquer política consistente.

Mas agora é que vai! Assim diz o Governo que até lançou uma consulta pública para, alegadamente, ouvir a sociedade sobre o tema.

Olha Zé, não pude deixar de recordar a consulta pública sobre o PRR e o que nessa altura te escrevi: “Chama-se a isto “democracia participativa”. O “arremedo” foi uma “consulta pública vertiginosa, de que ninguém sabe os resultados porque era só, não para “inglês ver”, mas para a “União Europeia ver” (o inglês já nem está lá)”.

Só que esta nova “consulta pública” aumentou ainda a velocidade da vertigem referida para o PRR.

O prazo efetivo de resposta a esta “consulta pública” são 7 dias (!).

Embora, como cidadão, pensasse em responder, depressa desisti, pois percebi que não havia um mínimo de condições para qualquer contribuição séria e fundamentada.

Além disso, e não é uma questão menor, sabia que tal como me aconteceu no PRR, a que respondi e previ o que iria, infelizmente, suceder, não haveria qualquer resposta ou reação às opiniões que aí sejam expressas.

Ora uma consulta pública (sem aspas) é particularmente relevante num governo de maioria absoluta, com uma bancada parlamentar do partido da maioria, completamente subserviente aos ditames do Governo.

Para isso seriam precisas duas condições: uma proposta de consulta bem elaborada, incluindo um adequado tempo para resposta. A segunda, a apresentação à sociedade de um relatório com os resultado dessa consulta.

Ainda estou à espera desse relatório relativo ao PRR!!!

Claro que não virá, porque a lógica destas “consultas” é um “Pronto! Já te ouvi!”. E tudo segue na mesma.

Até sempre,