Opinião
Leiria – Cidade disfuncional, concelho de estratégia reduzida
O planeamento dos eventos de entretenimento não tem em consideração a morfologia da cidade, a sustentabilidade e os direitos mais elementares dos cidadãos, tais como o silêncio e o descanso
O notável crescimento económico do concelho de Braga assenta em atrair empresas, reter talentos, inovação científica e tecnológica e exportação, referiu o presidente da autarquia bracarense no dia 27/3/23. A mesma visão estratégica é partilhada por Aveiro que refere, no seu Plano Diretor Municipal (2019), que o desenvolvimento do concelho deve assentar numa economia baseada no conhecimento e na criatividade, tornando a cidade num concentrador (hub) de inovação.
Aqui ao lado, a Nazaré, com o consórcio Nazaré Green Hydrogen Valley, já tem uma estratégia industrial de futuro. Assim como Óbidos com o seu parque de empresas tecnológicas.
E Leiria? Qual é a sua visão estratégica? Segundo as palavras do presidente da câmara (Jornal de Leiria, 16/3/23), os investimentos já feitos “precisam de turistas para haver, não só mais hotelaria, mas mais distracção, mais comércio…” Ou seja, a ambição de Leiria é a de ser um destino turístico. Mas, ao contrário do que a Câmara Municipal (CML) pensa, os principais vectores de desenvolvimento das cidades são o conhecimento e a inovação científica, a relação Empresa/Academia, e não o turismo.
Alicerçar o desenvolvimento de Leiria no turismo não é uma estratégia avançada, mas sim reduzida e sujeita a ciclos económicos. Esta estratégia baseada no turismo tem acentuado as disfuncionalidades do meio urbano. Em que sentido? O planeamento dos eventos de entretenimento não tem em consideração a morfologia da cidade, a sustentabilidade e os direitos mais elementares dos cidadãos, tais como o silêncio e o descanso.
O último evento Leiria Sobre Rodas atraiu cerca de 70 mil visitantes concentrados na zona do estádio – é gente a mais para espaço a menos, o que causou grandes distúrbios de mobilidade na cidade. O mesmo aconteceu no dia 29/4: a inauguração da Feira, o espectáculo dos Calema e o jogo da União (UDL) no estádio. Foram, na mesma, cerca de 70 mil visitantes concentrados num só espaço da cidade e que, uma vez mais, causou vários distúrbios de mobilidade.
Assim como o Leiria Run com 4.200 pessoas, à noite, na malha residencial urbana. Parece que, este ano, a Feira teve 658 mil visitantes e, para a próxima edição, a CML quer mais. A estratégia é: quanto mais, melhor! Os eventos são planeados e executados como se a cidade não tivesse limites na sua morfologia.
Até a métrica de sucesso do evento Recriar Leiria em 1923 era ter mil figurantes. O que a CML nunca nos diz é o efeito multiplicador dos eventos. Tudo é feito de borla e o consumo exercido é de bens alimentares de baixo valor.
Inundar a cidade de gente não traz, necessariamente, mais riqueza económica. O que traz é a disfuncionalidade das várias funções da cidade e do espaço público.