Opinião
Letras | A droga do amor
Annie Ernaux abriu o seu coração e a sua loucura no livro Uma Paixão Simples, onde revela sua obsessão por A., um homem casado oriundo do Leste Europeu
O amor é fogo que arde sem se ver e a ciência descobriu o seu pirómano: é o sistema límbico, uma espécie de comando das operações dos comportamentos, alojado no nosso cérebro. Nele instala-se a paixão e aciona-se o hipotálamo, órgão que liberta dopamina no organismo, provocando excitação e euforia.
O “exitex” é tal que a pessoa descura qualquer explicação científica para se lançar de cabeça ao alvo da sua paixão. Não lhe importa que o seu córtex pré-frontal se desligue e anule a capacidade de raciocinar e emitir julgamentos elaborados. É seguir a louca cegueira do amor.
Bem dizia Nietzsche que “há sempre algo de loucura no amor, mas há sempre algo de razão na loucura” .
Annie Ernaux abriu o seu coração e a sua loucura no livro Uma Paixão Simples, onde revela sua obsessão por A., um homem casado oriundo do Leste Europeu.
Num relato generoso, a Nobel da literatura escancara sem pudor as portas da intimidade e do desejo de uma mulher independente e divorciada. Dá por si a comprar vestidos e lingerie para impressionar um homem de meio social e gostos distintos do seus. Aguarda o seu telefonema, a sua visita. A angústia da espera sacia-se com o prazer da carne, das roupas novas estendidas no chão, no anseio do novo encontro enquanto o encontro presente se concretiza.
Uma relação tensa, erótica, narrada na primeira pessoa: a pessoa de Ernaux, que, na leitura voraz que oferece, deambula entre a autobiografia e a ficção. Uma paixão simples ou simplesmente uma paixão obsessiva, como todas as paixões, com um certo je ne sais quoi do estilo da loucura de Olhos Azuis, Cabelo Preto, de Marguerite Duras.
Uma Paixão Simples, foi lançado em 1992, em França, e adaptado para cinema em 2020 por Danielle Arbid.