Opinião

Letras | André Canhoto Costa e A Corte das Mulheres

19 set 2025 08:27

É uma penetrante obra de investigação que levou vinte anos ao autor. Lê-se, porém, como um romance

Não sei quando tomei conhecimento deste jovem autor, André Canhoto Costa (ACC) (1978) doutorado em História, conhecedor de (quase) todos os meandros da História e da Literatura e das histórias reais que a literatura nos traz e se cruzam com a ciência e outros campos do saber; sei que foi pela Revista LER e já vai em alguns anos – muito antes do seu irónico artigo “O Poeta de pés velozes e a Comissão impossível – o caso Camões no V Centenário” (Revista LER, Inverno de 2023) cuja leitura recomendo vivamente. Aliás, como todos os seus cultivadíssimos ensaios da LER, verdadeiras aulas de História e de Literatura (sempre ligadas como não podia deixar de ser) e de outros saberes vários, numa escrita atraente, trepidante e salpicada de uma finíssima ironia.

Não sabia de outros livros seus, mas pegou-se-me às mãos este A Corte das Mulheres atraindo-me. E conquistando-me, devo dizer, no fim de o ler e reler e sublinhar. Não é um romance, mas podia bem sê-lo pela forma como os temas e as personagens nos vão sendo apresentados. É uma penetrante obra de investigação que levou vinte anos ao autor. Lê-se, porém, como um romance.

A obra narra a “História da ascensão e queda de uma corte iluminada pela presença das mulheres, cuja existência o tempo quis eliminar” e (quase) conseguiu. O tempo é o que medeia os reinados de D. Manuel I e de D. Sebastião – tempo de grande riqueza e luxo e o atroz desastre de Alcácer-Quibir que dita a queda do Império especialmente causada pela entrega da governação aos ditames da Inquisição (o Cardeal D. Henrique nomeado Inquisidor-Mor do Reino) e da sempre crescente Companhia de Jesus. O espaço é a Lisboa trepidante dos negócios, das chegadas de todas as novidades de África, do Oriente, de Itália. Diz o autor que “Lisboa era uma nova Roma” (p.59) absorvendo toda a inovação do Renascimento trazida por poetas como Sá de Miranda ou Bernardim Robeiro e pela chegada incessante de livros novos. As personagens são, principalmente, um grupo de mulheres, princesas, damas da mais alta aristocracia, ávidas leitoras, cultas, eruditas, escritoras, poetas, dominando o latim e o grego, organizando bibliotecas.

Esta Corte iluminada reuniu-se em torno da Infanta Dona Maria, filha do já velho rei D. Manuel I e da sua 3ª mulher Leonor de Áustria, depois, rainha de França. Criada e educada pela rainha Catarina de Áustria, sua cunhada e tia e esposa de D. João III, seu meio-irmão, senhora de uma fortuna incalculável, sobrinha de Carlos V, aos 16 anos tinha a sua casa no Palácio de Xabregas onde organizou a sua sempre renovada biblioteca, e onde brilhavam aquelas mulheres cultivadas, princesas, damas e aias, exímias escritoras e pensadoras, bailarinas, cantoras e músicas, – Joana Vaz, Públia Hortênsia, e Luísa Sigeia, o prodígio intelectual da época, Paula Vicente – nas grandes festas, nos bailes, nas mascaradas, nas encenações, nos torneios.

(Continua na próxima edição nomeadamente para os amantes de História e de Literatura)