Opinião
Letras | Carlos L. Pires – sobre a sua poesia
A linguagem por si utilizada nos seus poemas é tão concreta e transparente, tão imune a artifícios estéticos – e, no entanto, tão profunda – que nega, o poeta, o uso da metáfora
Tive o privilégio de ser convidada pelo nosso Poeta Carlos Lopes Pires para assistir, em novembro, a uma sessão de entrega de prémios de um Concurso de Escrita promovido pela ESECS, onde falaria sobre poesia. A sua exposição, com o título (bem poético) de a fábrica de fazer longes, versou sobre ‘o que é um poeta’ e ‘o que é um poema’, e teve toda ela a marca d’água do que há de mais íntimo e mais simples na Natureza ligado à espiritualidade intrínseca que o poeta deve ter para ser chamado de poeta.
De si próprio começou por contar um episódio de que se lembra aí pelos seus três aninhos e que se repetiu, aí pelos nove anos e depois vezes sem conta. “A cena passa-se em Vila Nova de Ourém, onde na altura morávamos. Final da manhã de um dia de verão, já quente. Estava num terreno em frente à casa, onde recordo haver oliveiras e pardais voando. O céu muito azul. (…) Estava sozinho naquele local. Então e subitamente o mundo desceu em mim. Um sentimento (e ao mesmo um pensamento difuso) de elevar-me e fazer parte de toda a paisagem, incluindo (…) os pardais e o azul do céu. Não sei o que durou, pois o que senti foi não haver tempo nem espaço. Foi como que uma suspensão da realidade. (…) o que tem isso a ver com poetas e poemas? Tem tanto, que hoje chamo a essas circunstâncias “a fábrica de fazer longes”. É que estas experiências, o sentimento e o pensamento difuso que as acompanharam, é o que passou, depois, a presidir à realização dos poemas: aos 11 anos, pela primeira vez, vieram também palavras. O tal pensamento difuso foi substituído por poemas. Os poemas são experiências espirituais”.
O poeta – continua – cria um mundo próprio com uma linguagem, um pensamento, uma história própria e isso “define a sua originalidade e o seu caminho existencial”.
De facto, a linguagem por si utilizada nos seus poemas é tão concreta e transparente, tão imune a artifícios estéticos – e, no entanto, tão profunda – que nega, o poeta, o uso da metáfora (sinónimo para ele de complexidade de palavras) na sua escrita. Mas depois declara que “um poema não é só as palavras que lá estão, mas as palavras que lá faltam”. E essas é que nos falam! Falam-nos de algo que não entendemos. E fazem-no “através das árvores e da fábrica dos longes”. [não estaremos aqui perante as mais cristalinas metáforas?...] E termina concluindo que “um poema é um prodígio”. Mais recentemente escreveu “o poema/é um ser vivo (…) ele respira ama/e sofre”.
Sobre o que é a poesia devo recordar aqui F. Pessoa: é “uma sugestão espiritual” acrescentando: “a poesia é um assombro, admiração, como de um ser caído dos céus que tomasse plena consciência da sua queda atónito com o que vê. Como alguém que conhecesse a alma das coisas (…) não se lembrando de mais nada” (in Sobre a Arte Literária; F. Pessoa. Porto. 2018. p.18).