Opinião
Letras | Duas Mulheres em Novembro, Vasco Graça Moura
A esperança pode ser democrática, mas a doença das nossas idiossincrasias poder ser o nosso fim
Duas mulheres que se encontram num consultório médico de características muito duvidosas, aguardam ser chamadas pelo médico. Nas ruas vivia-se uma tensão crónica, com manifestações e confrontos. Nesse enquadramento histórico vivia-se o PREC em novembro de 1975 com uma bipolarização e problemas sociais a vários níveis. Coincidentemente, tão válido nos nossos dias como o era então. Essa bipolarização entre extremas na luta entre um Portugal novo e o medo daquele Portugal amarrado e amordaçado anterior ao 25 de abril.
E os frutos e consequências do passado na sociedade. Neste conto, Vasco Graça Moura personifica em ambas as mulheres a diferença de classes e a metáfora dum país dividido. Fala da diferença, da aceitação, da liberdade e a liberdade de expressão, da violência doméstica, e da esperança que o futuro reserva quando diferentes pessoas e ideologias, se podem encontrar nas mesmas circunstâncias.
Duas mulheres de estratos sociais diferentes acabam por ter de comunicar entre si, perante a situação invulgar de no consultório não se encontrar ninguém para as receber. Enquanto aguardam descobrem conhecer-se e também num diálogo por vezes divertido, avistamos momentos da vida popular e quotidiana. A circunstância em que se encontram quase explica como Portugal chegou a novembro de 1975 e como a esperança pode ser democrática, mas a doença das nossas idiossincrasias poder ser o nosso fim.
A ausência do médico também acaba por ser o reflexo desse mesmo país sem rumo e com um comando também ele ausente. Quem tem o remédio? Quem pode salvar este país? Quem vai dirimir as diferenças? Que país o nosso se a democracia salvar as pessoas?
No final ninguém chega e o futuro (ainda hoje) está por descobrir.
Mas existe a esperança e a vontade pela mudança. Pequenos passos que após estas décadas podemos testemunhar.