Letras | Era uma vez uma catrefada de gatos malteses

Há uma idade limite para receber o Prémio Nobel da Literatura? Parece que não. A escritora britânica Doris Lessing tinha 87 anos quando lhe foi atribuída a nobre distinção. Estávamos em 2007. A notícia chegou-lhe através de vários jornalistas que a surpreenderam à entrada de sua casa, em Londres.

Lessing, nascida na antiga Pérsia, era, então, a 11º mulher a receber o aclamado prémio. A Academia Sueca descreveu o percurso da autora como “uma épica da experiência feminina que, com cepticismo, fogo e poder visionário, sujeitou uma civilização ao escrutínio”.

A sua vastíssima obra espelha as memórias dos tempos que passou em África, as injustiças sociais e o colonialismo britânico. Mas também explorou a ficção científica e o a sua paixão pelos animais.

Publicou, em 1967, Gatos e Mais Gatos. Gatos de rua, gatos de casa, gatos que brincam, gatos que se escondem, gatos dóceis, gatos assustados, gatos com nome, gatos sem nome, o pêlo dos gatos, o focinho dos gatos, a cauda dos gatos, o caixote de areia dos gatos, o ronronar dos gatos, gatos que vão ao veterinário, gatos que nascem, gatos que crescem, gatos que brincam, gatos que procriam, gatos que morrem, gatos que nos observam… todo um tratado felino muitíssimo bem detalhado percorre um pequeno livro, onde quem admira estas criaturas sentirá como se dos seus próprios gatos estivesse a ler.

Em 2018, viajei até ao centro do Mediterrâneo para visitar as belas ilhas de Malta. Entre a pedra calcária esculpida pela aridez e o imenso património construído ao longo de milénios, lá estavam eles: os famosos gatos malteses; gatos e mais gatos. Os simpáticos bichanos são apreciadores dos viajantes ou, pelo menos, daqueles que parecem gostar deles (a intuição felina nunca falha). Numa pausa para lanche, enquanto lia o referido livro da Doris Lessing, os gatos fizeram-me companhia, roçando-se às minhas pernas, pedindo comida e mimos e, talvez, que lhes lesse em voz alta algumas passagens; uma espécie de sermão de Santa Doris Lessing aos gatos.

Doris Lessing já tinha falecido quando este episódio aconteceu (deixou-nos em 2013, aos 94 anos). Adoraria ter-lho contado.