Opinião
Letras | Lourenço Chaves de Almeida (2007), Memórias de um Ferreiro OU do património (ainda não) esquecido
Talvez a mais importante e destacada das suas muitas obras seja o Lampadário / Chama da Pátria, guardado no Mosteiro da Batalha, iluminando o túmulo do Soldado Desconhecido
Serão poucos os que conhecem o nome de Lourenço Chaves de Almeida (LCA: 1876-1952); menos ainda a sua obra artística: foi um dos mestres do ferro forjado em Portugal. Descendente de artífices, de Lamego, radicou-se em Coimbra, no cumprimento do serviço militar, a cuja carreira pertenceu (sargento artífice), tendo integrado o Corpo Expedicionário Português (CEF) em 1917-1918. As exposições dos seus trabalhos em Coimbra, Lisboa e outras cidades obtiveram sempre sucesso e foi elogiado pela imprensa da época.
O neto, Afonso Chaves de Almeida, responsável pela coletânea de todos os documentos que fazem parte das Memórias de um Ferreiro (MF), conseguiu uma edição rigorosa e notável, com prefácio e coordenação de José Amado Mendes, que a Imprensa da Universidade de Coimbra salvou do esquecimento em 2007 (vd. aqui). Em 2021, a mesma casa editorial publicou a Vida e Obra (vd. aqui), da autoria do neto e prefaciado pelo iminente Professor. Refiro-me apenas às MF já que se encontram repletas de referências artísticas do nosso património, na 1.ª pessoa do mestre, com gosto pela investigação e pela escrita e que deixou anotações cuidadas, fontes originais fidedignas, salvas em boa hora pelo neto Afonso, afilhado do Poeta.
Talvez a mais importante e destacada das suas muitas obras seja o Lampadário / Chama da Pátria, guardado no Mosteiro da Batalha, iluminando o túmulo do Soldado Desconhecido. Há pelo menos oito apontamentos / capítulos diretamente relacionados com a história do processo de criação e trajetos da vida cultural e artística do Lampadário, que permitem ao leitor perceber como muitas das resistências à arte vêm de longe e só a tenacidade criativa dos artistas as consegue vencer e fazer atravessar o tempo cronológico. Desde a encomenda em março de 1921, que faz LCA sonhar com um esboço ainda longe da grandeza do original (“[…] ofereçam um Lampadário que posto à cabeceira do túmulo, por si só, seja um monumento, uma coisa gótica, estilo da Batalha, com figuras alegóricas à nossa História, com baldaquinos e uma coluna encimada pela candeia, tudo muito rendilhado!...”, op. Cit., p.97), passando pelo número de horas de realização (“Este trabalho, que é todo em ferro forjado foi principiado, como se vê (pelo gravado na base de ferro) em 20 de Abril de 1921 e concluído em 29 de Junho de 1922, tendo dispendido com este trabalho quatro mil e oitocentas horas (isto é, trabalhando 12 a 14 horas por dia).” idem, p.120) e pela anedota irónica com a questão do preço e valorização da peça artística pelos poderes institucionais de então, com descrição dos vários locais em que a obra foi exposta antes de dar, finalmente, entrada na Casa do Capítulo da Batalha, a 9 de abril de 1924, numa cerimónia oficial e marcante na História de Portugal.
Os nomes de (Geno)Veva de Lima (Mayer Ulrich) e Afonso Lopes Vieira estão entre os mais citados dos amigos protetores que sempre o incentivaram e lhe fizeram algumas das encomendas que hoje se encontram entre as peças artísticas mais reconhecidas e acessíveis ao público. Para Veva de Lima, entre as muitas peças realizadas, destaca-se o Lectus Romano, estilo pompeiano, que esteve em exposição no Museu Machado de Castro (MMC) em novembro de 1924. Para Afonso Lopes Vieira – com quem as MF revelam o convívio íntimo e amical (“Ourives do ferro, Ferreiro de jóias”, assim o apelidou na Conferência da Arte Coimbrã, em 1921) – o destaque vai para o Relicário, onde guardava uma mecha dos cabelos de Inês de Castro, doado ao MMC por vontade do poeta, efetivação de sua viúva e intercessão de LCA. Mas outras peças mais ou menos negligenciadas e outras perdidas pelo desgaste do tempo e erosão marítima, como a jarra feita com destroços de um obus da I Guerra e a maçaneta da porta da varanda, com a cadela Elsa, podem ser identificadas na Casa-Museu Afonso Lopes Vieira em S. Pedro de Moel (Nobre, 2013).
A merecer investigação, a “História do meu livro Os túmulos de Alcobaça e os Artistas de Coimbra” (idem, p.187 e sg.), evidencia como LCA se distinguiu e fez parte dos que defenderam a escola portuguesa de artistas, onde Lopes Vieira, José de Figueiredo e Reinaldo dos Santos se incluíram. Porém são três minúsculas linhas de leitura subjetivas, num livro que as pode multiplicar imenso: para que o património continue humanamente vivo.