Opinião

Letras | Paulo José Costa (2021), Nas Suas Casas Os Homens OU o (des)confinamento artístico…

2 mai 2022 17:43

Os textos poéticos de Paulo José Costa são, por vezes, “Antídotos” (p. 9) das imagens (desenhos a tinta-da-china) que os acompanham

Em 2019, escrevia para este jornal: “Quando me encantei com a poesia de Casa Alta (2017), arrumei o Paulo José Costa na gaveta dos poetas. Agora surpreendi-me com outro livro-objeto, Se um dia voltares (2019), aguarelado por Hirondino Pedro e flutuante entre várias fronteiras.”

Nessa altura não referi Sopro da Voz (2011), nem Vizinhança de Olhares (2014) ou o projeto poético-musical Casa-Nau ou a colaboração na programação do evento literário Ronda – Leiria Poetry Festival, na nossa cidade.

Está representado em várias Antologias de Poesia em Portugal e Espanha e coordena o grupo editorial da revista de poesia Acanto (cujo n.º 5 foi publicado este abril).

Para quem nasceu em 1976 e exerce a atividade profissional de Psicólogo Clínico, estas referências bastam para perceber a sua ‘veia artística’.

Tive a sorte de tomar conhecimento de um novo livro – Nas Suas Casas Os Homens (2021) – também ele flutuante entre várias fronteiras: Poesia, de Paulo José Costa; Ilustração, de Pedro André; Música, de João Faria (leia-se a “Sinopse”, p. 96, explicativa do trabalho multissensorial e híbrido).

Nessa altura, o confinamento sanitário era a regra, e a persistência das artes em abrir brechas para a respiração representava uma ousadia. Está por fazer uma síntese dos tempos vividos e talvez ainda seja cedo para isso, mas as palavras do breve texto introdutório deste livro bem que podem servir de esboço para o vórtice do instante: “Nas suas casas amotinadas, os homens olham as ruas e veem nelas um momento lúgubre que transformou o banal num vórtice que está ainda por conter. A cidade está petrificada num mundo estagnado. Onde antes havia movimento e som, há agora imobilidade e silêncio. […] Um enredo sucessivo no paradoxo. Fuga ambivalente. Vírus que se apodera do portador eminente. […] É amargo o sabor do tempo e fluido o gozo do amor, curva em planalto descendente, momento fugaz que não encaixa em definições. Nos homens as casas. Lugares amargos. Astenia. Endémica desmesura.” (opus cit., pp. 3 e 5).

Os textos poéticos de Paulo José Costa são, por vezes, “Antídotos” (p. 9) das imagens (desenhos a tinta-da-china) que os acompanham, à procura de um equilíbrio, ‘o fascínio da salvação’, o ‘indizível do mistério’, ‘a força do desejo’, o ‘assombro’ do mundo. Selecionaria “A inconfundível atmosfera do caos” (p. 60) como meta-texto. Em “Um dia de cada vez” (pp. 14-15), o ‘princípio das incertezas’ imerge ‘num exercício de improvisação do amor’. “Nó Cego” (p. 20) talvez seja a ‘conjura’ que nos cerca, esse ‘vicioso ciclo, curto circuito, choque’, em que “Uma sombra pendula” (p. 28), com a ‘cortina difusa’ a turvar a ‘membrana do tempo’ ou “Tamborilar” (p. 52), que mostra as vagas da dor; e apenas “Vidros Baços” (p. 44) se afigura como uma das poucas janelas de comunicação que “Talvez” (p. 55) salpica de esperança com a auscultação do silêncio; porém sempre ‘inapreensível’, uma ‘miragem’ (“Aposentos”, p. 71) ou as ‘franjas da claridade’ (“Intrusão” p. 94). Daí que a definição pela negativa de “Não és” (p. 23) procure a ‘casa infinita / da serenidade’, pois a “Torrente insondável” (p. 31) pode nunca vir a deixar encontrar o(s) lugar(es), de que apenas há “Vislumbres” (p. 65), já que ‘o espírito da escuridão está em nós’ (“Pálpebras”, p. 69).

Assim se chega a “Alunagem” (p. 38), com a lua como o ‘inverso’, ou a “Das Origens” (p. 47), onde as ‘raízes’ e a ‘semente’ ainda podem trazer o ‘consolo das têmporas’. E a dissociação da realidade regista-se em “Uma descoberta por acontecer” (p. 41) ou “Ofensivas” (p. 75) como a sujeição ‘aos caprichos do fogo’. A “Ancoragem” (p. 79) às ‘virtudes’ ou a espera pelo ‘assomo grave’ do “Vento Oeste” (p. 86) são “Venturas” (p. 89) que só o poema, na ‘ousadia gritante dos silêncios’, pode sonhar.

Se “a vida é uma partilha lenta, / um sonho que descai / na gravidade da paisagem.” (p. 83), que este desconfinamento artístico nos permita continuar a vislumbrar…