Opinião

Letras | Richard Zimler (2022), A Aldeia das Almas Desaparecidas. A Floresta do Avesso. Parte I OU a diáspora da perseguição da beleza…

13 nov 2022 18:30

Zimler retoma a família Zarco narrando a devastação causada pela intolerância religiosa na aldeia de Castelo Rodrigo e arredores

Richard Zimler é um escritor português (nascido em Nova Iorque em 1956, obteve a nacionalidade portuguesa em 2002) sobejamente conhecido do leitor pela qualidade da sua obra – catorze romances; seis livros para crianças; prémios internacionais; curta-metragem “O espelho lento”… – e pela temática identificadora do judaísmo e das perseguições sofridas, enriquecida com a complexa arte de trabalhar a psicologia de cada uma das personagens e de a tornar um ser ‘vivo’, repleto de contradições e à beira de situações-limite.

No recentemente publicado romance A Aldeia das Almas Desaparecidas, com o subtítulo A Floresta do Avesso, Parte I, corporizado em 654 páginas divididas em 79 fulgurantes capítulos, fruto de quatro anos de investigação (veja-se a Dedicatória e a Nota Histórica), Zimler retoma a família Zarco narrando a devastação causada pela intolerância religiosa na aldeia de Castelo Rodrigo e arredores. Trata-se de uma narrativa com um narrador autodiegético e participante, Isaaque Zarco, rapazinho judeu de nove anos que, a partir de 1671 começa a entender o poder da sombria Inquisição com o ruir de toda a harmonia desejada, quer para a vida pessoal, quer no ambiente social que o vai cercear, fazendo-o correr múltiplos riscos de vida e iniciando a sua diáspora em que a beleza da arte e da vida vai estar do lado da salvação.

A narrativa funciona como um ‘romance de aprendizagem’, já que Isaaque vai querer reconstituir para si (e para o leitor) todos os momentos mágicos em que se tece – de uma forma inconsciente ou mais tarde acordada pela revelação dos mistérios do judaísmo – a sua diáspora do e no mundo, desde o seu nascimento numa 6.ª f, 3 de março de 1662 até maio de 1677 quando, rapaz de 15 anos, visita a avó Flor em Salamanca e a acompanha enquanto doente de peste.

Nesta espiral atribulada de acontecimentos, o neto e a avó são sempre as personagens fundamentais: desde o nascimento pelos pés, que a avó curandeira consegue com êxito (“[…] a magia veio ter comigo na ponta dos pés, tomou-me nas suas mãos grandes e calosas e murmurou-me ao ouvido orações orvalhadas com odor e coentros.”, p. 15) até ao febril momento final em que os dois se confrontam em busca da vida e do amor, que o mesmo é dizer da identidade do narrador (“Teria ela precisado de ver que a minha vontade era tão forte quanto a sua? Talvez […] ela se apercebesse de que eu […] era a sua última oportunidade. E que, provavelmente, ela era a minha única oportunidade de descobrir como recuperar o amor do meu pai.”, p. 654).

A espiral de aprendizagem permanece em aberto, convida o leitor a esperar pelos novos círculos que a parte II do romance devolverá aos iniciados por esta leitura estimulante.

(continua na próxima crónica)