Opinião
Letras | Um Dia Chegarei a Sagres
A obra é um verdadeiro hino à língua portuguesa e a Camões
A edição deste ano da Bienal Internacional do Livro de S. Paulo na qual Portugal foi o país convidado foi um sucesso. Marcelo, presente e onde brilhou pela simpatia e pelo seu inegável amor pelos livros, considerou que foi “a grande Festa do Livro, um diálogo literário entre Brasil e Portugal”.
Imensa foi a euforia que escritores lusos lá presentes transmitiram pelo encontro simples e fraterno com os seus pares brasileiros, o encontro de duas formas da mesma língua. Então, como não trazer aqui Nelida Piñon, uma das mais premiadas escritoras brasileiras contemporâneas e das presenças mais notadas na Bienal junto dos nossos autores? É que o seu último livro (2021), Um Dia Chegarei a Sagres, foi escrito em Lisboa, depois de ter passado “um par de anos em Portugal a estabelecer suas pesquisas e a fortalecer suas inspirações.”
Esteve um ano em Lisboa para o escrever: “precisava estar lá pessoalmente para captar a paisagem, os enigmas do povo, os locais onde o sangue foi derramado” - diz a autora. O protagonista, Mateus, aparece-nos perto do final da vida – uma vida recheada de pobreza e de dificuldades mas também de aventura que se propõe narrar-nos de memória. “Nasci no século XIX, no Norte de Portugal, e não sei o que significa ser parte desta nação.”
Filho de uma prostituta, é o avô Vicente, de quem foi “filho e neto ao mesmo tempo”, um camponês orgulhoso, rígido e íntegro, (embora desgostoso pela desgraça da filha) que o cria e educa na dureza do campo e das suas convicções justas e sábias. Outra personagem marcante na sua educação foi o professor Vasco da Gama que o fez encantar-se pela figura do Infante D. Henrique que, como “nenhum outro português, antes dele, pusera os olhos no mar como se o quisesse possuir.” E assim nasce nele o desejo de um dia ir a Sagres, em busca do legado do Infante, em busca de respostas.
Depois da morte do avô e das palavras de algum desagravo da mãe, deu início à viagem, calcorreando o país de Norte a Sul, sempre com o desígnio de chegar a Sagres (em busca de “um alento de vida”).
Pelo caminho, duro e longo, Mateus observa, lembra, sente e assim nos vai contando sobre as pessoas que encontra e as suas histórias. É esta vivência quotidiana que lhe traz mais conhecimentos e maior sabedoria com que expõe os seus pensamentos, as suas emoções, as suas críticas tendo sendo como pano de fundo a nossa História. Sagres não lhe oferece a paz desejada e daí parte sem rumo pelo mundo e regressa a Lisboa, velho e cansado, de onde narra a sua odisseia.
A obra é um verdadeiro hino à língua portuguesa e a Camões e chega-se ao fim do romance com a nítida impressão de que se trata de uma alegoria da História deste povo pobre e campesino que parte à aventura por esses mares e regressa cansado, amargurado e sem paz interior.