Opinião

Literatura | Cartas a um Jovem Poeta

30 out 2020 20:00

Não poucas são as vezes em que me sinto no lado do jovem poeta. Na busca do abrigo de quem, com mais propriedade, me explique as leis da intelectualidade, ou da estética ou de já lá ter chegado, onde esse lá possa ser... ou não ser.

Vejo-me a braços com a utilidade de tantas questões e da desenvoltura filosófica do mundo e de como evoluímos que vejo a poesia no centro de outro mundo totalmente diferente por vezes. 
A estética por vezes alheada da ética. 

E o que é a ética como busca firme do desconhecido? Não será a partir daí a estética um apêndice ou quem sabe até, a mesma, uma inutilidade quando se busca a interioridade?

Estas cartas trocadas durante 5 anos entre o jovem aspirante a poeta Franz Xavier Kappus e Rainer Maria Rilke, seu influenciador maior na busca dum caminho, duma estética própria, são troca epistolar e também um manual de busca do si mais do que o eu. 

O encontro com a solidão para buscar a interioridade; a experimentação do ser; a invocação de um Deus, o encontro com a arte; da evolução para o ser humano feminino como sustentáculo da propriedade amor; da poesia como veículo da felicidade e da libertação.

Rilke torna-se um mentor de Kappus por correspondência, trocam entre si cartas onde ele propõe ao segundo método na busca de um aperfeiçoamento poético. 

Rilke é um poeta que experimenta na filosofia, na religião, na psique e na arte a libertação para a poesia e em si a libertação plena.

Há uma postura de humildade que faz chegar ao seu discípulo colocando-o perante o percurso a que cada um se deve sujeitar a fim de encontrar um método e uma razão de ser na poesia. 

Esse caminho que surge com a interioridade, de entrarmos em nós e nos (des)conhecermos, quer pela recordação da infância quer pela visão infante de tomar tudo como novo. 

Tal é a sua postura quando se “encontra” nas cidades que percorre durante esta correspondência. Um acto recorrente de auto-conhecimento por nos desconhecermos nesses locais “estrangeiros”.

Uma certa ingenuidade, que não ignorante, mas aberta ao caminho próprio que faz uma criança despreocupar-se da vida adulta, ela mesma cheia de afazeres e monotonia generalizada e que desconhece. 

É neste momento que cria também uma parte da psique um novo ser que vê o mundo de dentro para fora mas que lhe conhece as dores e as agruras por via da solidão repetida. 

Da prisão dos antecedentes duma vivência normal assente nessa “vida de adultos” e da crítica como fundamentação duma qualquer estética, de vida ou de observação da arte.

É em Deus que também se encontra essa paz dum mundo desligado da sua interioridade, numa era de descrença. 
Não uma religiosidade sustentada em preceitos milenares mas no encontro de nós mesmos na profundidade do ser na solidão. Na felicidade de ir num destino ou desconhecimento e de mitigar os medos. Ser poeta de alma numa existência expectante de nós.

O acto de amor que Rilke oferece ao seu aprendiz é maior do que a instrução de como fazer menos que o caminho que cada um encontra em si. Se é para ser. Se é para não ser. 

Mas de ali retirar conhecimento. De ali criar uma via que na poesia se demarque por si mesma e não pela crítica, ou a estética, ou os fundamentos, ou tão pouco as correntes.

Se existe poesia é porque ela brota da necessidade de escrever.

“Na mais silenciosa hora da sua noite, pergunte a si mesmo: tenho de escrever? Escave dentro de si à procura de uma resposta profunda. 

Se lhe for permitido encarar essa pergunta séria com um forte e simples tenho, então construa a sua vida segundo essa necessidade; a sua vida, até ao âmago da hora mais indiferente e limitada, terá de se tornar um sinal e um testemunho para esse ímpeto.”