Opinião

Literatura | Manual para mulheres de limpeza

6 fev 2021 20:00

É a melhor coletânea de contos da escritora norte-americana Lucia Berlin (1936 – 2004)

Foi editada apenas em 2015 nos Estados Unidos e em 2016 em Portugal (embora a escrita em português não seja a melhor) e foi com este livro que se tornou famosa. De facto, apesar da sua escrita corrida e escorreita narrando da forma mais natural e viva pedaços de vida, de vida áspera como foi a sua, de americanos das classes baixas, nunca se tornou conhecida enquanto viveu.

Publicou seis livros de contos entre os anos 70 e 90 conseguindo chamar a atenção do nobelizado Saul Bellow e da também contista Lydia Davis que escreveu o sugestivo prefácio do livro. «Os contos de Lucia Berlin são elétricos, zumbem e crepitam quando os fios descarnados se tocam. E, em reação a isso, também a mente do leitor, cativada, arrebatada, ganha vida, com todas as sinapses a disparar».

A sua escrita mostra uma vivacidade surpreendente, um realismo quase contundente, uma crueza nas palavras e nas ações que descreve sem que por isso use um tom agressivo e muito menos lamuriante.  Também mostra muita erudição. A jornalista Isabel Lucas refere no Público que Lucia Berlin «escreveu contos sobre o que há de mais devastador, usando um humor desarmante, rindo com enorme delicadeza – e por vezes crueza – da tragédia que atravessou a sua vida. As suas histórias são povoadas por pessoas à margem, excluídos, gente na linha da sobrevivência social, económica, clínica, moral de afeto; dependentes de álcool e droga, excêntricos, frágeis. Histórias talvez demasiado pesadas para serem suportáveis não fosse o tom em que são contadas e que contrasta com a densidade do seu conteúdo.»

Os locais onde se passam as pequenas narrativas mudam de forma estonteante de conto para conto, bem como as personagens que lhes dão vida – tão depressa falam da família (a Mamie, o avô bêbado, «o melhor dentista da região do Texas Ocidental», exímio a fabricar dentes postiços) como das freiras do colégio que frequentou, ou dos seus conhecidos de ocasião – o índio, o dono da lavandaria, a diretora da escola secundária. Tudo está intimamente ligado ao seu trajeto de vida, não se tratando embora de contos autobiográficos. “Exagero muito e misturo a realidade com a ficção, mas, na verdade, nunca minto” e “Não me importo de contar coisas horríveis se conseguir torná-las engraçadas.” – diz a escritora.

Lucia Berlin não teve uma existência fácil. Nasceu no Alasca, passou os primeiros anos em cidades ou acampamentos mineiros de Idaho, Kentucky e Montana; aos cinco anos foi, com a mãe e a irmã, viver com o tal avô dentista para El Paso, Texas. Mais tarde a família mudou-se para Santiago do Chile onde ela estudou e teve uma melhor vida social. Aos 32 contava três divórcios e quatro filhos. Teve variadíssimas profissões: foi professora, trabalhou em hospitais, nas limpezas (daí o conto «Manual para mulheres de limpeza» que dá o nome ao livro.) Talvez seja toda esta instabilidade que explica o tumulto e a inquietação dos seus contos.

Escrita galopante e leitura de igual modo galopante. Eu, que não sou apreciadora de contos, não consigo parar de os ler…

Texto escrito segundo as regras do Acordo Ortográfico de 1990