Opinião

Música | À deriva em "Mare"

21 jan 2021 20:00

Loeffler parece desenvencilhar-se extremamente bem a produzir música de forma completamente autónoma

Christian Loeffler é o nome alemão por detrás da voz musical que nos chega desde uma aparentemente simples e algo inusitada cabana de madeira - que é, na verdade, o seu espaço de criação e o seu estúdio, localizada algures em Darss, na península de Fischland-Darß-Zingst, Alemanha.

Loeffler parece desenvencilhar-se extremamente bem a produzir música de forma completamente autónoma, desenhando o seu belíssimo Mare, numa primeira instância, partindo de gravações de campo das redondezas daquele espaço; é particularmente curioso o processo de trabalho que esteve na génese deste álbum de longa-duração de 2016: somando a estes primeiros estímulos sonoros, que são até certo ponto sons descobertos.

Loeffler preparou, de seguida e cuidadosamente, as suas sessões de gravação de forma a que captasse pelos seus microfones, de forma ampla, tudo aquilo que fosse acontecendo dentro daquele espaço, gravando assim horas a fio; desta forma, assegurou-se que desde o som de passos, batuques e todo o género de vocalizações que fizesse, até ao uso de elementos percussivos como garrafas, paus e até um molhe de chaves, tudo culminaria genialmente para esta amálgama de sons, que foi ganhando forma à boleia de uma certa nostalgia que o subgénero deep house induz e acalenta.


Aliás, como o próprio Loeffler gosta de auto-descrever a sua música quando questionado sobre a mesma, estamos perante o combinar de uma certa melancolia com alguma euforia.

Houve, também, um rol de instrumentos ditos convencionais a serem usados, e todos eles tocados pelo músico, como a marimba, o bandolim, alguns sintetizadores e ainda vários outros instrumentos menos comuns que ele foi adquirindo ao longo das suas longas viagens e tours, originários de outros cantos do globo.

A acrescer a estes deliciosos instrumentais, em quatro dos temas temos o bónus de escutar a voz de Mohna (nome artístico de Mona Steinwidder), também ela alemã e uma compositora de nome consagrado, detentora de uma voz marcante pela sua doçura e leveza por demais contagiantes. Mare é o segundo trabalho discográfico de Loeffler, e surge na sequência de A forest (seu disco de estreia, datado de 2012).

O autor diz-nos que este primeiro disco revelou-se como um desvendar algo tangencial àquilo que pretende, na verdade, atingir, e que com Mare conseguiu já tocar no nervo disso mesmo, o que para tal contribuiu a incursão de elementos com imensa organicidade e uma boa dose de improviso e algum desprendimento racional.

Mare traz-nos uns incríveis 17 temas, num claro elogio à criatividade sónica, levando-nos numa viagem inebriante que em nada nos falha durante bem mais de uma hora, nuns pouco usuais 77 minutos.