Opinião

Música | Não há viagem sem desprendimento

14 abr 2021 11:13

Hoje, pensei em trazer-vos o maravilhoso disco de estreia da jovem compositora e violinista italiana Laura Masotto

Fireflies, editado em Abril de 2019, ostenta 11 composições para instrumentos de cordas, numa aparente formação de música de câmara, embora na sua maioria interpretadas apenas por Masotto, ao violino.

Numa sobreposição bem calibrada de vozes que, quando em concerto e à boleia da já bem conhecida loop station, nos trazem harmonias ricas que suportam bonitas linhas melódicas, a linguagem de Masotto situa-se algures entre o barroco e o modernismo, numa bela viagem entre séculos de criação e resultando numa evidente homenagem aos mestres daquele instrumento.

Há imensa sensibilidade e proficiência técnica neste disco e Masotto consegue, claramente, demonstrar que esta sua primeira aventura discográfica não é fruto do acaso: a certa altura terá sentido que faria bem em partilhar com todos nós as conversações que tem consigo mesma.

Na prática, estaremos perante peças para violino solo mas que vivem rodeadas de sensações harmonizadas que conferem um contexto ao desenho melódico que Laura nos propõe.

São criações algo exploratórias, extremamente densas ao nível das emoções e reminiscentes até do mundo árabe (atente-se a Mahir e a The forest, onde o violino, viola e violoncelo foram afinados a 432 Hz, fundindo-se com sons da natureza gravados para um projeto artístico resultado de uma colaboração com Elena Crisanti).

Há elementos muito padronizados nas suas criações a nível harmónico, como se escuta desde logo no tema de abertura Undisturbed by wind, muito próprio até do que estou habituado hoje a escutar no universo das bandas sonoras pelas mãos dos novos compositores neoclássicos, em que eu próprio me incluo.

Há uma certa complacência com a forma enquanto a redundância nos dá a liberdade e o desprendimento necessários para nos deixarmos seduzir pela melodia que nos é proposta, num exercício de quase hipnotismo que tanto apraz a quem procura entrar numa viagem.

Não há viagem sem desprendimento e Masotto consegue dar-nos isso mesmo.

Lendo algumas das suas entrevistas, percebi que a música (não obstante a sua própria incursão em aulas de música em tão tenra idade, aos cinco anos) esteve sempre muito presente no meio familiar, a sua mãe tocava acordeão e o seu irmão Lorenzo acompanhava ao piano o seu estudo ao violino.

Tocou com alguma regularidade em formações de música de câmara, o que lhe permitiu valorar o fascinante poder da entonação, naqueles tempos do Conservatório, e também fora do contexto académico é frequente a sua colaboração com músicos nos universos do Jazz e da música contemporânea.

Fireflies é uma edição da jovem editora lady blunt Records, baseada em Itália e co-fundada pela própria Laura Masotto.