Opinião

Nós e o Mundo

28 jul 2022 09:00

No meio da tranquilidade que me cabe, a perplexidade e a angústia também entram

As férias grandes aproximam-se com o meu ano lectivo quase terminado depois de um muito ansiado espectáculo, finalmente possível ao fim de dois anos.

A família e os amigos já vão combinando possíveis encontros, e eu vou já pensando a quem poderei deixar a incumbência de ir regar as minhas plantas e faço uma lista mental das pequenas coisas ainda por fazer.

Lentamente se vislumbra o tão dolce far niente de Agosto, de longas conversas, de pés na água e gin na mão, de livros grossos e óculos de sol, de caíres da noite ao som de grilos e coaxar de rãs, e de boas séries vistas de enfiada.

Pensamentos perfeitos durante uma viagem madrugada fora, com o carro inundado de música boa por dentro, e um céu estrelado por fora.

Tudo perfeito, e de direito, para quem se esmifrou um ano inteiro a trabalhar e deseja agora a paz, a tranquilidade, alguma diversão e uma total ausência de complicação.

Mas por muito que o espere e deseje, há uma sombra negra a pairar sobre esta visão de Verão tranquilo.

Uma sombra impossível de esquecer, contornar, ou transformar, porque nos entra pela casa adentro todos os dias em forma de notícias e, muito para além do horror e da tristeza que causam, me deixam absolutamente perplexa.

Primeiro, a guerra. Esta interminável destruição de lugares habitados por pessoas que se escondem em caves ou fogem para parte incerta, aterrorizadas, levando consigo um quase nada, imersas numa angústia enorme, e sem saber quando vá o horror terminar.

Não consigo imaginar o que isso seja por muito que tente colocar-me nesse lugar. Depois, os incêndios.

Ateados por loucos, ou por criminosos, ou por irresponsáveis, conseguem em poucas horas destruir paisagens, culturas, habitações, e até mesmo vidas.

Uma muralha de lume entre o mundo tal como o conhecemos e o pó negro em que se transforma, e mais uma vez o terror, a angústia, o horror, e a incerteza.

Depois, em diferentes paragens, temperaturas altíssimas, ou chuvas torrenciais e inundações, ou gigantescos glaciares que se derretem ou fracturam.

Já não é o anúncio que desde há anos ouvimos, já não são os avisos de que algo não está a correr bem, agora é já o facto consumado, são os efeitos da enorme alteração do clima de que o planeta sofre.

E tudo isto acontecer por acção, por escolha, do Homem, deixa-me absolutamente perplexa.

Na verdade, cada vez sinto menos vontade para conversas e diatribes sobre estas questões tratadas do ponto de vista político, ambiental ou social.

Cada vez mais frequentemente me sinto pura e simplesmente aparvalhada com a imensa estupidez, maldade, ganância e ignorância da nossa raça, e penso no que seria uma “conversa” com um outro qualquer animal que me “pedisse” explicações sobre as nossas matanças gratuitas, sobre o nosso assobiar para o lado em relação ao que individualmente precisamos de fazer, sobre a nossa inacção em relação ao bem comum, e sobre a nossa profunda burrice em achar que isto ainda se resolve.

As matanças gratuitas, por um lado, e as catástrofes causadas, ou potenciadas, pelas alterações do clima, juntamente com a incúria, vão acabando lentamente com o mundo tal como o conhecemos; ou melhor, não tão lentamente assim.

No meio da tranquilidade que me cabe, a perplexidade e a angústia também entram.