Opinião

Nos objectos de todos os dias…

24 nov 2021 14:13

Nos objectos de todos os dias encontramos a contribuição de inúmeros esforços de inovação. Alguns podem ter origem há alguns anos, outros décadas, outros séculos… Tipicamente são um resultado combinado de avanços maiores e menores na tecnologia, por vezes fortuitos.

Muitas vezes, o facto de se tornarem objectos do dia a dia está apenas dependente de terem sido melhor direccionados às necessidades de um mercado ou à capacidade de os comunicar. Aviso ao leitor: como este artigo pretende acabar por ser sobre Propriedade Intelectual, há-de seguir por esse caminho mais cedo ou mais tarde.

Regressando aos objectos do dia a dia, quanto de um smartphone é telégrafo? E quanto da actual rede eléctrica se parece com as primeiras tentativas de levar energia a uma comunidade? Com uma distância de mais de um século, talvez partilhem tanto “DNA” quanto um pássaro e um primata (considerando o primata mais evoluído, claro), mas percebe-se que há uma clara evolução nas “capacidades” e “funcionalidades” (as aspas ajudam a manter a analogia com a evolução e divergência das espécies).

Olhando apenas para a perspectiva da tecnologia e no caso do smartphone, esta resulta fundamentalmente do conhecimento sobre áreas como telecomunicações, computação ou miniaturização, mas também de materiais, sensores ou cadeias de produção. E muitos outros.

O telégrafo tal como o conhecemos remonta à primeira metade do séc. XIX, mais de 150 anos antes do aparecimento de algo que se possa assemelhar aos dispositivos de hoje. Neste período de tempo, houve uma progressão incrível na ciência e tecnologia, que se reflectiu – muito – no conforto humano.

Claro que o progresso científico e tecnológico é interminável – potencialmente as limitações da humanidade serão o limite – e subsistem muitas melhorias a alcançar para levar padrões de conforto e saúde aceitáveis a muitos pontos do mundo, mas esta recente progressão na História é incrível e inegável.

Há desafios para o futuro? Muitos, basta considerar as alterações climáticas e a necessidade de redução do impacto humano. Mas, olhando para o passado, a perspectiva tem de conter optimismo (para não dizer ser optimista), quando tanta da população mundial ao longo do último século e meio conseguiu alcançar padrões de qualidade de vida, longevidade ou conforto.

Esta é uma afirmação que parece ignorar os principais acontecimentos da primeira metade do séc. XX, mas foi também ao longo do século passado que grandes feitos se alcançaram e nos trouxeram aos padrões de hoje.

Por exemplo, em 1900 a esperança média de vida à nascença era, praticamente em todos os continentes, inferior a 50 anos. Hoje em dia, todos os continentes têm uma esperança média de vida acima de 60 anos, sendo a esperança média mundial acima dos 70 anos (dados Our World in Data).

É verdade que as médias escondem os valores extremos, mas percebe-se a enorme evolução. Há muitos outros indicadores que nos devem dar este optimismo, ainda que moderado (o website gapminder.org, iniciado pelo médico e divulgador Hans Rosling, põe à prova o nosso pessimismo em relação à humanidade e é quase sempre uma agradável surpresa).

A Propriedade Intelectual e, em particular, as patentes, acompanharam este progresso. A correlação que existe entre o modelo das patentes e o progresso tecnológico é clara e significativa.

Na segunda metade do séc. XIX, nos primórdios das exposições universais, iniciaram-se também os acordos internacionais que trouxeram o modelo de que quem inova pode ter um controlo temporário dessa tecnologia dado por cada país, desde que divulgue a tecnologia inovadora.

É esse o princípio basilar das patentes. Para uma sociedade que se baseia em conhecimento, foi um grande passo. Para o público em geral, é certo que fica dependente das opções comerciais de quem detém a tecnologia durante um período de tempo, mas beneficia imensamente desse conhecimento, que se continua a construir em cima do conhecimento existente, e que acabará por ficar disponível a um custo menor.

Para quem inova, pode lucrar directa ou indirectamente por diversas formas enquanto detém a patente e, mesmo quando já não a tem, continua a manter uma vantagem, pois ficará para sempre registado que foi a primeira entidade a alcançar aquela inovação.

Há uma vantagem, uma motivação para inovar, que promove que esta aconteça. E aconteceu bastante desde então.

Os modelos de obtenção e utilização de direitos de Propriedade Intelectual (como as patentes) também progrediram muito. Há hoje uma visão bastante variada na sua utilização, que ultrapassa bastante o mero monopólio. Mas, afinal, não tínhamos assim tanto tempo para agora falarmos também deles.

São histórias que se contam em paralelo, e que se cruzam em grande medida.

Olhando para trás, é difícil dizer quanto valor se deve atribuir à Propriedade Intelectual e às Patentes no progresso das sociedades, mas é difícil não reconhecer o seu papel de relevo. E também para ter uma visão com, pelo menos, uma pitada de optimismo sobre o mundo e o futuro.

Artigo resultante de uma parceria com a J. Pereira da Cruz