Opinião
Nunca mais a guerra
Inicialmente treinada para a pintura, Kollwitz, encontra na gravura a dimensão dramática e o rigor emocional para os seus temas
«Todo o meu trabalho esconde dentro de si a própria vida, e é com a vida que eu luto através do meu trabalho.»
Käthe Kollwitz
As Mães» (xilogravura da série Guerra) foi o primeiro trabalho que vi da artista alemã Käthe Kollwitz (1867-1945) e ditou o meu fascínio pela obra de uma das mais importantes gravuristas alemãs do século XX. Um impressionante muro humano composto por um grupo de mulheres unidas pelo sofrimento da guerra de onde emana uma força marcada pelo desespero e pela dor, mas também pela recusa radical da violência como resposta.
Produzida em 1921 esta obra espelhava um dos períodos mais complexos da vida de Kollwitz – a perda do seu filho mais novo durante a Primeira Guerra Mundial, uma das muitas mortes que testemunharia ao longo da sua história (dois dos seus irmãos quando era ainda criança e um dos seus netos, durante a Segunda Guerra Mundial).
Originária da cidade de Konigsberg, na província da Prússia, Käthe foi educada num ambiente progressista revelando desde cedo uma especial apetência para o desenho. Reconhecendo o talento artístico da filha, o pai incentivá-la-ia a estudar em Berlim e Munique, num contexto pouco aberto à presença de mulheres.
Contra todas as expectativas, Käthe apaixona-se e casa pouco tempo depois com o médico Karl Kollwitz, com quem vai morar para um bairro desfavorecido de Berlim ajudando-o a cuidar da população pobre. Mantendo os estudos artísticos, esta experiência seria, porém, decisiva para o seu trabalho e aproximá-la-ia de uma concepção de arte próxima da vida.
Os pacientes do Karl tornar-se-iam simultaneamente modelos e testemunhos de uma condição social que o seu trabalho artístico começava a pretender denunciar. O contacto com as condições de vida precárias das famílias, seria particularmente perturbador para Kollwitz, que as retrataria em trabalhos premiados, como «A Revolta dos Tecelões» (1897).
Inicialmente treinada para a pintura, Kollwitz, encontra na gravura a dimensão dramática e o rigor emocional para os seus temas. Uma técnica que a acompanhará até ao fim da vida e que vai depurando, abolindo a cor e acentuando o contraste claro/escuro.
Colhendo uma cada vez maior aceitação crítica e do público, Käthe passa a assumir, depois da morte do filho, uma intensa militância pacifista e um estilo contundente com a produção de xilogravuras mais escuras, de que são exemplos supremos «Fome» (1923), «Memorial para Karl Liebknecht» (1919) e «Os Sobreviventes» (1923).
Primeira mulher a ser eleita para a Academia de Belas Artes da Prússia, é pouco depois afastada pelo governo nazi, que a impede também de expor uma obra que classifica como degenerada. Votada ao isolamento, Kollwitz consegue ainda dedicar-se à escultura. Um período prolífico em que produz pequenas obras depuradas como se delas emanasse apenas a carga emocional que sempre procurara transmitir no seu trabalho num quase obsessivo exercício de denúncia.
É neste período que cria «Pietà, uma obra comovente em que espelha finalmente o seu eterno luto pela morte do filho. Em 1943, num ataque aéreo a Berlim, a sua casa é bombardeada e destruída grande parte da sua obra. Kollwitz é evacuada para os arredores de Dresden onde morre sozinha, a poucos meses do fim do conflito.
Na última carta que dirige ao filho Hans, a 16 de Abril de 1945, confessa, cedendo ao desânimo: «A guerra permanecerá comigo até o fim...»