Opinião
O avesso do avesso
Para os dois sentidos de peões, o espaço vai reduzir-se a 2 metros, para ser dada primazia aos ciclistas.
O Polis, como chamamos ao percurso pelas margens do Rio Lis, é o avesso do estádio de Leiria.
O avesso do erro histórico – que afogou a cidade numa monstruosa dívida por uma geração inteira (imagine-se o que poderia ser feito com mais de 90 milhões de euros pelo desenvolvimento de Leiria?...) – foi a requalificação urbana com forte componente de valorização ambiental e da presença de elementos estruturantes como frentes de rio, que conhecemos como Polis.
Com início em 2000 e conclusão em 2007, o Polis devolveu aos leirienses a possibilidade de fruir o rio, de caminhar, da evasão dos excessos da artificialidade da cidade, num reencontro com o verde, a água, os pássaros, o ciclo que veste e despe árvores, a Natureza, enfim.
Cheio de mazelas por resolver – como as pontes sem manutenção e o estrangulamento junto do sinaleiro, ou a ausência de wc’s públicos e demasiados ciclistas pouco civilizados– o percurso Polis era, ainda assim, o melhor de Leiria.
Agora, vai acabar de vez.
Para os dois sentidos de peões, o espaço vai reduzir-se a 2 metros, para ser dada primazia aos ciclistas. Façam a experiência: coloquem uma fita métrica no chão e vejam o que cabe num metro…É o espaço que terão para caminhar com outro adulto ou crianças ou um cão. Em vez de pedonal e ciclável, iremos ter uma pista de ciclismo onde a supremacia do espaço disponibilizado chancelará a velocidade dos ciclistas, o perigo de acidentes e a antítese da caminhada descontraída para peões.
A câmara, numa infeliz iniciativa para “arrumar” os fluxos no Polis, impõe o impossível: a domesticação dos peões – que provavelmente terão de caminhar ou correr em fila indiana, com as crianças presas bem junto a si - e o reinado das bicicletas, esquecendo que há muitas estradas para os ciclistas, mas apenas um percurso nobre para os peões.
Não bastava o espaço que vamos perder, o chão do percurso foi coberto com piso betuminoso e vai ser pintado de verde e amarelo trazendo para o Polis tudo o que não é necessário: o carácter artificial dos materiais e cores berrantes, com um impacto visual chocante, para não podermos esquecer que estamos afinal dentro da cidade.
Há uma tese de mestrado sobre o Polis de Leiria. Nela se pode ler: “Surpreendentemente, a intervenção que gerou mais controvérsia foi a construção das Pontes Temáticas, projecto referência do Programa Polis em Leiria, proposto pela autarquia. É neste campo que é evidenciada a necessidade de envolver os cidadãos no processo de planeamento (…). Contrariamente ao que foi considerado pela autarquia, os agentes locais, na sua maioria, referiram o corredor ciclo/pedonal como o projecto mais emblemático da intervenção.” ( Marisa de Jesus Patrício, Avaliação do Programa Polis em Leiria através da Satisfação dos Agentes Locais, dissertação para obtenção do Grau de Mestre em Engenharia do Território, Instituto Superior Técnico, 2009)
Mas em ano eleitoral, pelos vistos, não se aprendeu nada com o passado.