Opinião
O beijo
Na gíria futeboleira, torço para que esta gente entre rapidamente para o lugar efémero de onde não devia ter saído
O beijo de Judas, o beijo de Klimt, o beijo de Rodin, o beijo fotografado no dia da Vitória, o beijo de Gorbachev e Honecker, o beijo de esparguete na “Dama e o Vagabundo”, o beijo da “Bela Adormecida”…tínhamos tantos motivos para recordar beijos que ilustraram história, filmes, pinturas, fotografia ou escultura, até música onde um “beijo é só um beijo” em Casablanca, que dispensávamos a grosseria do que se passou com o beijo (piquito) do treinador espanhol à capitã de equipa feminina que ganhou o campeonato mundial da modalidade pela primeira vez.
Percebe-se a euforia, sobretudo a importância do momento, o futebol traz esta algazarra toda e tudo o que gira em torno da bola é voraz. Mas a avalanche das reacções pelos “padrões actuais” sobre o que deve/pode ou não ser um beijo, extrapolaram as fronteiras do que também já não existe, o bom-senso.
Um ataque sexual é um ataque gravíssimo e a defesa de qualquer menina/mulher atacada, é obrigação duma sociedade civilizada. É condenável em toda a linha. Sem atenuantes. A celebração (tola, diga-se) em euforia no meio da festa da final do campeonato, tem mais de condenável pelas matilhas que se formaram, cegas de parte a parte, do que propriamente do beijo pacóvio de Rubiales.
Toda a gente opinou por uma parte ou por outra. E podemos estar em desacordo com ambas? Eu estou. Rubiales tem a postura de um j…vardo, que toda a gente sabia que era, suportou e compactuou com comportamentos deploráveis.
Hermoso, quando contagiada pelo momento encaixou o excesso. Foi vítima póstuma acossada pela pressão social dum suposto politicamente correcto que transformou isto num ataque sexual.
Alguma vez o grupo das jogadoras e o brado público que torceu por elas, ganhou tamanha pujança para gritar contra campeonatos de futebol no Qatar? Ou na Arábia? Onde, sim, as mulheres são completamente desprotegidas por sistema e onde ninguém se atreve a opinar sobre essa ausência de direitos? Impuseram-se? Posicionaram-se? Nem um gesto.
Tenho pena das mulheres vítimas de ataques sexuais, fora de holofotes, pobres, sem matilhas que as salvem e quantas vezes, públicos que não as condenem só pelo que vestiram ou beberam.
Na gíria futeboleira, torço para que esta gente entre rapidamente para o lugar efémero de onde não devia ter saído. Prefiro os beijos eternizados da história e todos aqueles que nos arrebatam a alma.
Para onde foi a civilização enquanto dormimos, não sei, mas precisamos de sacudir estes extremos de loucura onde nos querem enfiar.