Opinião

O caminho da (in)felicidade

30 jul 2024 09:13

No fim, a felicidade é um delicado balanço entre valorizar o que se tem e aspirar a mais

A felicidade, frequentemente confundida com conquistas grandiosas e reconhecimento, revela-se uma ilusão. Marco Pierre White, chef que deveria exemplificar o sucesso, é um caso paradigmático. Aos 33 anos, tornou-se o primeiro chef britânico e o mais jovem do mundo a obter três estrelas Michelin no restaurante do Hyde Park Hotel, em Londres. No entanto, White decidiu devolver as estrelas e afirmou ao The Guardian: “Chegar às três estrelas é entusiasmante. Mantê-las é muito aborrecido.” A mensagem é clara: a verdadeira felicidade não reside na manutenção de um status elevado, mas na liberdade de seguir os próprios desejos, de escrever o próprio caminho, de ser o seu próprio deus.

A ciência, com a sua precisão impiedosa, examina a nossa incessante busca por felicidade através dos neurotransmissores dopamina e serotonina. A dopamina, responsável pelos picos de prazer e recompensa, é libertada quando se alcançam metas ou se recebe reconhecimento. Este prazer é, no entanto, transitório e conduz a uma busca constante por novas conquistas. Trata-se de um ciclo interminável, alimentado por um truque evolutivo para garantir a nossa perpetuação e movimento.

A serotonina, por outro lado, é responsável pelo bem-estar duradouro. Este neurotransmissor não se impressiona com efémeras glórias externas. Proporciona uma sensação de contentamento que resulta de uma vida equilibrada e de relações interpessoais saudáveis. A serotonina é o elemento estabilizador do estado de espírito, afastando-o das oscilações das conquistas externas.

Na era pré-histórica, a dopamina desempenhava um papel vital na sobrevivência, recompensando comportamentos que aumentavam as hipóteses de viver e reproduzir. No entanto, na sociedade moderna, a busca por dopamina transformou-se numa incessante corrida por status social e realizações materiais. A escolha de White reflete uma adaptação a esta nova realidade, onde a estabilidade emocional começa a superar a efemeridade do reconhecimento.

Casos como os de Anthony Bourdain e Marco Pierre White demonstram que o sucesso não é sinónimo de felicidade. Bourdain, apesar da fama global, enfrentou um tormento interior que o levou a desistir da vida. White percebeu que manter as estrelas Michelin se tornava mais um fardo do que uma fonte de prazer.

Já Jimmy Carr, com a sua crítica mordaz, explora a relação entre felicidade e sucesso. Defende que a verdadeira felicidade emerge do equilíbrio entre o apreço pelo presente e a busca por objetivos significativos. Carr critica a obsessão por riqueza e fama, sublinhando a importância da paz de espírito e do bem-estar emocional.

Esta análise é sustentada pela evolução. A capacidade de procurar e experimentar a felicidade pode ter conferido vantagens adaptativas, promovendo a coesão social e a sobrevivência coletiva. Contudo, a pressão moderna por conquistas contínuas pode distorcer este equilíbrio natural, contribuindo para o aumento das crises de saúde mental.

No fim, a felicidade é um delicado balanço entre valorizar o que se tem e aspirar a mais. Moldada por circunstâncias pessoais, mecanismos cerebrais e a herança evolutiva, a verdadeira conquista pode residir na capacidade de encontrar satisfação no simples ato de viver. Contudo, com as redes sociais a um toque de dedo, é difícil não querer interagir e mandar pastar a serotonina. Num mundo ideal, a beleza continua a ser um casamento imbatível. Mas é tão bom o mergulho de dopamina que uma relação errada nos traz. É tão bom poder falhar. Claro que existe a beleza das nuvens dos céus e dos campos de flores… Uma toalha bonita num prado florido tem todo aquele élan… Mas se lhe espetarmos três rolhas de champanhe e uma senhora malvada a dançar, fica tudo um bocadinho melhor. Sou tão dopamina.