Opinião

O futuro de um povo e o leite com chocolate

11 jan 2020 11:05

Há leis que, ainda em projeto, deviam ser encatrafiadas numa gaveta, trancadas e deitada fora a chave, a gaveta e o próprio móvel de que ela faz parte, tudo em locais diferentes, para que seja impossível voltarem a estar todos juntos.

Aqui há tempos, numa esplanada desta cidade (não digo qual, apenas que é central e tem um jardim à volta), pedi leite com chocolate.

O empregado, um jovem, na certa a fazer pela vida, virou costas e disse que ia ver se tinha, não me deixando sequer especificar o pedido. Passado algum tempo, apareceu com uma chávena de leite com chocolate a ferver.

- Ah! - disse eu, com ar consternado.

- Não queria quente, queria frio.

O semblante do jovem transformou-se num esgar de impaciência, revelador de alguém pouco habituado a enfrentar contrariedades. Esta atitude fez-me afastar a chávena, enquando dizia, peremptoriamente:

- Não bebo leite quente.

A intelegentíssima resposta dele deixou-me, devo dizer, siderada:

- Então levo, espero que arrefeça e trago outra vez. Se ele tivesse acrescentado “toma, embrulha!” não me teria surpreendido, pois esta expressão teria combinado com o tom de triunfo da sua voz.

Levantei-me imediatamente, peguei na chávena de leite a ferver, avaliei a distância, a altura, fiz pontaria e despejei-a um pouco abaixo da cintura do rapaz, e enquanto ele se dobrava com dores de queimadura de primeiro grau, apliquei-lhe um uppercut no queixo que o fez cair de costas. Pronto, está bem!

Só a parte do “Levantei-me imediatamente” é que é real. O resto é a descrição do que me passou vertiginosamente pela cabeça e que eu gostaria de ter feito. Não é por nada, mas quando se trata de leite com chocolate sou muito exigente!

Ora este episódio prende-se com uma medida que o governo se está a preparar para tomar.

Há leis que, ainda em projeto, deviam ser encatrafiadas numa gaveta, trancadas e deitada fora a chave, a gaveta e o próprio móvel de que ela faz parte, tudo em locais diferentes, para que seja impossível voltarem a estar todos juntos.

Exemplo disso é a medida que tem vindo a ser anunciada e pronta para entrar em vigor em 2021, que é como quem diz… já amanhã!!!

Trata-se do acesso facilitado dos alunos do ensino secundário profissional à universidade.

Portanto, vai ficar assim: os alunos do ensino secundário regular – se forem parvos – vão continuar a empenhar-se, a esforçar-se, a estudar, a fazer exames, a repetir o ano, caso tudo o resto corra mal, e os alunos dos cursos profissionais que, salvo as devidas exceções, mal sabem ler e escrever, entram diretamente para o ensino superior.

Isto levará à seguinte situação e não a muito longo prazo: os jovens que valorizam a educação e o conhecimento piram-se deste país da treta assim que puderem e ficam cá os outros a quem tudo é pago e facilitado e tudo quanto se lhes exige é metade de zero, licenciam-se, mas, como não sabem coisa nenhuma, vão trabalhar para tudo quanto é serviço – como o rapaz do leite com chocolate – casam-se entre si, têm filhos a quem passam os seus genes preguiçosos ou pouco dotados intelectualmente, e Portugal será o país com mais gente inepta – mas licenciada! – por metro quadrado e lá se vão os turistas.

Já estou a ouvi-los à conversa, na hora de decidirem qual o seu destino de férias:

- Vamos a Portugal, estas férias? Tem sol, boa comida… São todos licenciados...

- Nem penses! Não vou para um país onde as pessoas, quando querem uma bebida fria, primeiro aquecem-na e depois esperam que arrefeça.

Texto escrito segundo as regras do Acordo Ortográfico de 1990