Opinião
O genuflexório
Há dias andava um genuflexório pela Praça. Vi-o por duas vezes. Primeiro, nas mãos de uma senhora que se fazia acompanhar por uma criança. A senhora talvez fosse a mãe e a criança a filha.
Segurava a cadeirinha por de baixo do braço e a outra mão segurava a menina. Depois encontrei o genuflexório, por uma segunda vez, e desta feita levava-o um senhor, talvez o pai, sozinho.
Seria talvez apenas uma família que dividisse entre si a tarefa de encontrar um estofador que substituísse o forro da almofada onde assentam os joelhos. Talvez fosse apenas isso. Menos provável seria que fosse uma família em fuga para um qualquer Egipto, que os Herodes de hoje já não ameaçam degolar os inocentes e os prantos de Raquel são sempre lá longe e depressa se deixam de ouvir.
Mas o tecido não estava ainda puído ao ponto de justificar a sua substituição e as madeiras pareciam em bom estado. Talvez estivessem a mudar de casa. Mas que família de hoje reservaria em sua casa, onde sempre prima a falta de espaço, um qualquer recanto para tão inusitado objeto?
Repare-se, disse recanto, porque me atrevo a presumir que a oração deverá ser sempre um ato privado e de intimidade entre o homem e o seu deus.
Poderia ainda pôr-se a hipótese de ser herança de família e aquela cadeirinha não fazer qualquer sentido nos tempos que correm e procurassem tão-somente a quem a comprasse ao desbarato pela curiosidade ou sentido de relíquia.
Ou, quem sabe, andassem em busca de um templo para a entregar como oferenda e consequente cativação de um lugar à direita do seu deus.
*Psicólogo clínico
Texto escrito de acordo com a nova ortografia
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