Opinião

O silêncio

23 ago 2018 00:00

Que a solidão traz silêncio, sim, mas feito de não poder, ou não querer, ser ouvido, bem diferente deste, que se faz precisamente para que possamos ouvir.

Talvez haja quem não sinta a importância do silêncio. Seja pela pouca idade que não deixou ainda descobrir esse prazer, seja por não o terem ainda podido encontrar no meio do bulício em que gostam de fazer correr os dias, seja porque o silêncio se escapa de cada vez que pretendemos fazer de conta que tudo não é, exactamente, conforme se apresenta na clareza dessa ausência de ruído.

Talvez haja quem tenha medo do silêncio por confundi-lo com solidão sempre que ele cria espaço para que se consiga ver ou ouvir o que magoa, o que assusta, ou o que pareça não ajudar a ser feliz. Que a solidão traz silêncio, sim, mas feito de não poder, ou não querer, ser ouvido, bem diferente deste, que se faz precisamente para que possamos ouvir.

E há seguramente quem lhe fuja por não querer aprender a ficar a sós consigo, sem saber ainda como o silêncio compele ao sossego e cria a possibilidade de sentir e de pensar, única forma de podermos saber quem, e como, estamos a ser.

Para todos esses, as férias poderão ser talvez a perfeita ocasião para descobrir o que nos traz acuidade à consciência do contorno dos nossos dias, à consciência do nosso corpo desperto e tranquilo, ou à consciência dos recônditos menos visitados da nossa alma. Experimentar o silêncio poderá significar encontrarmo-nos e reposicionarmo-nos. Até nas coisas mais simples.

Dentro do silêncio podemos realmente ouvir o mundo, onde quer que o encontremos: vozes longínquas aos chamados ou aos risos, o custoso percurso de uma motoreta desenhando as curvas da estrada, ou a paciente insistência de um pica-pau; o baque de um corpo lançado à água, o som surdo de um figo que se despenha da árvore, o desfazer manso das ondas, e o chiar modorrento dos gonzos de um portão; a persistência hipnótica do canto das cigarras, a brisa a correr nas folhas, ou o som dos passos numa escada.

Essa é a vida que quase nunca ouvimos por falta de atenção, mas que nos situa num tempo e num modo tranquilo,

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