Editorial

Os advogados do diabo e os autarcas abstencionistas

16 set 2021 11:45

Em democracia, supostamente, todos são importantes

A função chegou a ser oficial no idos tempos da Inquisição, foi extinta pelo Papa João Paulo II, mas ficou plasmada no léxico popular.

“Olha, aquele parece o advogado do diabo”, ouve-se, ainda hoje, com alguma frequência.

O contexto mudou e a definição também.

Enquanto antes o oficial autorizado pela Santa Sé tinha como missão servir de oposição nos processos de santificação, agora, o advogado do diabo é mais identificado com alguém que defende uma tese ou opinião contestada pela maioria, apenas estimulado pelo prazer da argumentação.

Até aqui, tudo bem. O grande senão é quando esta sede de argumentação esbarra num conjunto de frases feitas e ideologias maquetadas, que colocam quem argumenta no papel de uma espécie de actor de teatro amador, sem noção de palco, de presença e de guião.

Anteontem, começou oficialmente a campanha eleitoral para as autárquicas.

Para alguns candidatos, a meta é a liderança, para outros é a vitória, a tentativa de ascensão social, a vontade de fazer acontecer ou simplesmente o prazer de contribuir para o bem comum.

Outros ainda, parecem movidos apenas pela vontade de serem advogados do diabo.

Em democracia, supostamente, todos são importantes.

Mas será essa uma premissa suficiente para justificar a escolha de candidatos que se atropelam nas suas próprias ideias?

Quando se fala tanto (e com razão) da abstenção nas eleições, devia falar-se também na necessidade dos partidos evitarem o recrutamento de personagens para as suas listas apenas com base no número do cartão de militante. 

Se é verdade que se quer contrariar a abstenção, e recorrendo à gíria futebolística, há que colocar os melhores jogadores em campo. E escolher bem a posição.

Para estas eleições, desafiámos os candidatos da região a responder a meia dúzia de questões, não tanto sobre obras e promessas, mas para dar a conhecer melhor quem se apresenta ao eleitorado.

Foram muitos os que aceitaram o convite e a esses manifestamos o sentimento de gratidão.

Mas, ironia da tendência, até o nosso Guia do Eleitor (que já está disponível online) registou um nível de abstenção em linha com a média de abstinência registada nos sufrágios dos últimos anos.

Só que desta vez, quem se absteve foram os autarcas e candidatos a autarcas.