Opinião
Os olhos dos outros
Muitas vezes somos injustos com as nossas vidas, entrando no discurso do maldizer sobre tudo e todos, sem termos bem noção dos privilegiados que somos.
Naturalmente que não está em causa a importância do espírito crítico, que é fundamental em qualquer sociedade que queira evoluir, nem tampouco o direito a ambicionar mais e melhor, mas sim o dizer mal por dizer, o queixume mesquinho, o desprezo pelo que é nosso enquanto suspiramos pelo alheio.
Será uma questão cultural, enraizada nas nossas cabeças, eventualmente devido a uma memória colectiva de sentimento de inferioridade e falta de auto-estima, que virá de um tempo em que, efectivamente, vivíamos na penumbra a sonhar com as luzes de Paris.
Esse tempo, no geral, já lá vai, e Portugal, bem como a nossa região, não têm hoje motivos para esses sentimentos, bem pelo contrário. No entanto, parece ser necessário que venham pessoas de fora dizer bem de nós e do que é nosso – algo a que damos muito valor, em mais uma manifestação de baixa auto-estima – para acreditarmos, mesmo que apenas durante algum tempo, que temos também inúmeras coisas que os outros invejam, que somos dos melhores em muitas outras e que, apesar de haver países mais poderosos economicamente, temos condições ímpares para uma elevada qualidade de vida.
E não se pense que estamos a falar unicamente do Portugal da moda, onde se destacam Lisboa e Porto, para onde de repente todo o Mundo parece estar a olhar, como se até há pouco tempo não existíssemos e algum descobridor do século XXI nos tivesse dado a conhecer.
Também fora dessas novas coqueluches do turismo internacional, onde vivem as Madonnas e se realizam os Web Summits, o País é bastante apreciado por quem vem de fora, obrigando-nos a pensar se não estaremos a desperdiçar energias através de um descontentamento militante quando, afinal, o melhor talvez seja tentarmos preservar o que temos, sem deixar, obviamente, de lutar contra os problemas.
Segurança, clima ameno, tranquilidade, afabilidade, custo de vida aceitável, sem grandes problemas de poluição, foram algumas das qualidades que o Jornal de Leiria ouviu da boca dos estudantes estrangeiros entrevistados relativamente a Leiria, a que juntaram ainda outros elogios ao Instituto Politécnico, onde estudam.
Coisas simples a que normalmente não damos valor, simplesmente porque as temos e as damos como adquiridas, mas que noutros países, onde não se vive tão próximo do paraíso, são problemas enormes e altamente condicionadores da qualidade de vida das pessoas.
Basta pensar no número de homicídios que acontecem diariamente no Brasil, no ar irrespirável de algumas cidades indianas, ou nos meses consecutivos sem se ver o sol no Norte da Europa, para percebermos, rapidamente, o quão privilegiados somos e que muito pouco do que normalmente ambicionamos tem valor suficiente para, numa eventual troca, nos poder fazer abdicar do que melhor temos.
*Director do JORNAL DE LEIRIA