Opinião

Os totós

19 jun 2017 00:00

Coisas tontas que se fazem, o que seria de nós se não fossem as coisas tontas?

Seguimos de bicicleta pelos campos floridos que envolviam a nossa escola, e em que nunca reparara; é um bocadinho espantoso como passamos os dias rodeados de pequenas belezas e nem notamos, como se estivéssemos sempre à espera de belezas grandiosas e apenas essas valessem a pena.

Seguimos em silêncio, rodeados de flores; cada um entretido no seu mundo, eu a pensar que não queria chegar a casa demasiado tarde, tinha umas cassetes para gravar e estava mesmo ansiosa por fazê-lo; depois nem as iria ouvir muitas vezes, o prazer estava mesmo em gravá-las.

Coisas tontas que se fazem, o que seria de nós se não fossem as coisas tontas? Ia a pensar nisto quando ele parou inesperadamente, num sítio onde existiam umas árvores muito bonitas, todas perfeitinhas e elegantes, harmoniosas, um sítio belo e tranquilo onde é impossível sentir medo ou ansiedade ou pressa.

Disse que queria mostrar-me uma árvore especial. Deixámos as bicicletas caídas no chão e seguimos por ali, eu ainda a pensar nas cassetes que queria gravar, a alinhavar mentalmente músicas; a pensar que ele era meio totó mas gostava muito dele, os melhores amigos são os totós, os que não se importam que os vejamos como totós.

As árvores eram todas muito bonitas, nunca tinha reparado nelas; é sempre a mesma coisa, passamos pela beleza sem reparar, como se nos faltassem os óculos da beleza, e sem esses óculos apenas víssemos a normalidade.

Pergunte-ime como poderia ele distinguir qual a árvore especial, pareciam todas tão idênticas; depois lembrei-me que para um extraterrestre as pessoas também deveriam parecer todas idênticas, mas não eram.

*Escritor

Leia mais na edição impressa ou torne-se assinante para aceder à versão digital integral deste artigo.