Editorial

Ourém a arder, 10 anos depois

25 ago 2022 10:19

A nossa floresta, ciclicamente, vai continuar a ser pasto fértil para as chamas

Custa, enfada, comove, revolta, ter de ocupar este espaço com o tema dos incêndios, semana sim, semana não, mês sim, mês não, anos sim, anos não.

Compete-nos noticiar o incêndio do dia, mas também é nossa missão ir ao rescaldo, ouvir as explicações quanto à origem dos fogos, acompanhar o desempenho dos operacionais no terreno, analisar e escrutinar os sempre anunciados planos de recuperação.

Esta semana, o presidente da Câmara Municipal de Ourém, Luís Albuquerque, pediu o estado de calamidade para o seu concelho, um dos mais fustigados pelos incêndios florestais este ano, a nível nacional.

Segundo dados da Pordata, já tinha sido assim em 2012, ano em que o município registou a segunda maior área ardida do País, com 6,6 mil hectares de floresta, mato e explorações agrícolas perdidos.

Este Verão, já vai com mais de 6.000 hectares destruídos.

Há 10 anos, era impensável ter mais de 600 operacionais no terreno, com sete meios aéreos a auxiliar no combate às chamas.

Este ano isso aconteceu, mas nem assim foi possível travar a voracidade das chamas, alimentada pela elevada concentração de massa florestal.

Apenas falta de limpeza? Talvez não.

Num concelho com forte tendência migratória, e depois dos fogos de 2012 terem reduzido a cinzas uma das importantes fontes de rendimento do concelho - o pinheiro -, houve a preocupação de apoiar os produtores e reorganizar a área florestal?

Pelo que nos é dado a conhecer desde o início de Julho, parece que não.

É o próprio presidente do município a admitir que existem muitos terrenos sem gestão florestal adequada, que o programa nacional para o cadastro das propriedades rústicas continua a passo lento e, por consequência, torna-se mais difícil para a autarquia notificar proprietários ou substituir-se a eles na limpeza das áreas florestais, como prevê a lei.

Na realidade, as autarquias têm a possibilidade de recorrer aos editais, sempre que não consigam notificar os donos dos terrenos, e de avançar com os trabalhos de limpeza, instaurando depois um processo de execução fiscal para cobrança coerciva dos valores.

Mas será que a câmara de Ourém, e todas as outras da nossa região, têm vontade política, capacidade logística e financeira para assumirem esta gestão das áreas de floresta abandonada? 

Provavelmente, não.

E a nossa floresta, ciclicamente, vai continuar a ser pasto fértil para as chamas.