Opinião

Outono

21 out 2021 15:45

Que nos sobrem dias assim, e que cada um encontre um sossego bom, a saber a diospiro, castanha ou romã

No período da minha vida entre a pré-adolescência e a idade adulta, o Outono era para mim a pior das estações do ano; e um Outono vivido no campo era-me absolutamente insuportável.

Lembro-me, em criança, dos passeios que por lá a minha mãe gostava de fazer, deliciada com tudo o que me deixava acabrunhada, verbalizando de forma poética o que a mim dava vontade de fugir, e demorando-se no silêncio dos lugares enquanto eu me fixava desesperadamente na imagem da casa para onde queria rapidamente voltar.

O Outono deprimia-me, assustava-me, tirava-me a luz dos dias, e deixava-me numa ânsia para que desaparecesse.

Não entendia aquela paixão por tudo o que era tão contrário ao Verão, ao sol forte, aos grupos de amigos, e à agitação da cidade.

Antes o Inverno, de que também não gostava, mas que ao menos era claro na intenção de ventar, chover e enregelar, e obrigava a acções precisas como ficar em casa, usar casacões, luvas e galochas, tomar colheradas de xarope, ou sofrer as papas de linhaça a escaldar o peito. Ao Inverno podia-se reagir.

Mas ao Outono, que era silencioso e introspectivo, e me deixava sozinha e a braços com a tristeza infinita de um fim qualquer que me anunciava, não. Demorei muito tempo a entendê-lo, e a saber mergulhar nesse tempo esperado e precioso.

O começo de ano lectivo, com os dias intensamente ocupados na estruturação de diferentes compromissos e horários, deixou-me distante do modo como se iam fazendo as horas deste Outono até que, num momento de tranquilidade, finalmente o vi, e senti.

Pelo meio do verde cintilante da folhagem perene, as árvores maduras explodem de vida em cores com nomes impossíveis de definir, numa alegria que depois de esvoaçar se espalha pelo chão, e replica um som da infância ao estalar debaixo dos pés.

O ar passa tépido, e lento, e traz cheiros de plantas e da terra escura ainda húmida pelo atravessamento da noite, a prometer abundância futura.

O silêncio e a quietude são um espaço aberto onde tranquilidade e força se misturam, a convidar ao pensamento de horizontes, e caminhos.

A luz, aberta, mas macia, ilumina o quanto baste para que o mistério das sombras possa coexistir, e assim se faça sentir o espanto, a espera, e a promessa que lentamente invadem o pensamento e plantam recomeços.

Impossível não sentir a Vida quando o mundo se recolhe assim, e nos faz recolher também, a lembrar que a pausa é parte do respirar.

Se todos quantos, de tantas formas, atropelam, impedem, e mesmo destroem a vida dos outros, e a da Terra, pudessem saber mergulhar no Outono, e assim mergulhar também dentro de si, talvez já não soubessem depois como voltar a fazer parte dessa destruição.

Que nos sobrem dias assim, e que cada um encontre um sossego bom, a saber a diospiro, castanha ou romã.