Opinião

Passagem de ano

8 jan 2023 11:19

Esta falta de respeito é directamente proporcional ao país que temos e que, pelos vistos, gostamos de ter: um país inculto e, por isso, estéril

De todas as festividades eis é a que mais abomino. Uma esperança falsa sobe-nos à cabeça, empurrada pela taça de champanhe ou espumante, depende dos bolsos. Dá-se um abraço e um beijo, mais ou menos apertado, depende do sentimento.

Passado aquele minuto final do ano que se vai (e até nisso estamos desfasados, vivemos uma vida de latências), eu, pelo menos, sinto o amago afundar-se numa escuridão da qual só volto, despertado pelo barulho das luzes e dos gritos de “Estás bem, Fernando?”

2022 foi um ano em que ficámos mais despidos e no qual passámos frio. Não estou a falar da crise energética (a crise de muitos é a fortuna de poucos) mas do calafrio que é ler e, às vezes, ver no que nos tornámos aqui no “Ocidente”.

Um povo cheio de ódio (aos Russos, porque, tal como numa série da Netflix esta é a temporada deles); de causas-mascote (Ucrânia, que tal como os cachorrinhos no Verão, iremos abandonar quando nos aborrecermos - e já faltou mais- de vaidade salomónica (o ter estado lá e por isso criadoras de conteúdos digitais tapam os templos com os seus fios dentais e algum alfa mostra os abdominais) e de um azedume que a mim me faz cuspir sangue todos os dias.

Ainda outro dia, lia a (des)propósito uma resposta de um “artista” que teve a ousadia de reivindicar qualquer coisa para o seu sector: “Porque não vens trabalhar como segurança?” Com todo o respeito, a cultura traz identidade a um país.

Quando se fala de Portugal fala-se de Fado, de Camões, de Pessoa, de Paula Rego, de Dulce Pontes ou Saramago. Não se fala dos seguranças portugueses tanto que o melhor segurança é aquele que não é saliente, aquele que não está lá para ser visto, ao contrário do poeta, cantor ou actor.

Esta falta de respeito é directamente proporcional ao país que temos e que, pelos vistos, gostamos de ter: um país inculto e, por isso, estéril.

Um país que nem dá pela passagem dos anos, mas tão e somente se quer esquecer de si mesmo na passagem do ano, com espumante oferecido pela empresa, passas engolidas à pressa e, sem o saber, doze badaladas de oportunidades perdidas.