Opinião

Prémio de desempenho

7 jun 2018 00:00

Pouco depois do seu nascimento perdera o útero, o reservatório capaz de gerar nova vida. Talvez secasse assim.

Como esquecer, como não esquecer.
Luís Quintais

Decidira viver morta. A dor lembrava-lhe todos os dias que faltava apenas a burocracia do fim. O corpo incomodava-a desde há muito tempo. Era um cárcere onde se materializava tudo aquilo que ela não queria ser. E por isso declarara o óbito dentro do corpo decadente. Ele que tratasse do resto. Tornara-se angulosa, como se cada articulação fosse uma esquina que a vida real já não queria dobrar.

O único filho que tivera já era maior do que ela. Ultrapassara-a em dimensão e via alguns patamares acima. Pouco depois do seu nascimento perdera o útero, o reservatório capaz de gerar nova vida. Talvez secasse assim. Mas a burocracia da morte, tal como a outra, tardava a cumprir-se; e colocava-a no rodopio estéril dos dias.

Na penúltima repartição, o funcionário recusara-se a carimbar o requerimento para a antecâmara do fim. A almofada do carimbo tinha tinta, as letras ficariam nítidas no papel mas a recusa era liminar.

Entregou-lhe o processo agrafado, três vias, com a resolução a negrito irrevogável: INDEFERIDO. Enquanto folheava as páginas, relendo as letras inesperadas, o papel fizera-lhe um corte muito fino no dedo magro. O sangue tingiu indelevelmente o processo. A dor do golpe ocupava-lhe agora, inesperadamente, a atenção. Não podia passar à repartição

Este conteúdo é exclusivo para assinantes

Sabia que pode ser assinante do JORNAL DE LEIRIA por 5 cêntimos por dia?

Não perca a oportunidade de ter nas suas mãos e sem restrições o retrato diário do que se passa em Leiria. Junte-se a nós e dê o seu apoio ao jornalismo de referência do Jornal de Leiria. Torne-se nosso assinante.

Já é assinante? Inicie aqui
ASSINE JÁ