Opinião
Que eleição?
Essa “meia-política” é visível quando quase todos aceitam que se vai votar o “primeiro-ministro”
Meu caro Zé,
Na esteira da nossa última conversa sobre a situação em Portugal e a mentira que os números que se apresentam continuamente podem conter, relembro Francisco Luscas Pires, num artigo entregue à Brotéria (1998) dias antes do seu prematuro falecimento, cujo conceito central é o que designou por “(meia)-verdade politicamente correta”.
Escreveu, a esse propósito, que “é uma ‘verdade da situação’, isto é, descartável, dúctil ou solúvel, quase como um ‘transformer’. Refere-se mais a tendências que a princípios.
É provisória e reconhece-se mais nas sondagens do que nos tratados de filosofia moral ou através dos programas políticos não aspira ao longo prazo.” E ainda, na sequência desta caraterização, “esta verdade tem mais a ver com números do que com valores”.
Esta “meia-verdade” “politicamente correta” é o “caldo político” em que vivemos, no qual os mais “talentosos” para a usar triunfam. É, a meu ver, o caso de António Costa que a usa com grande eficiência, escolhendo apenas dizer o que convém e que tem base real, omitindo o que não interessa.
Isso é, particularmente, notável na utilização dos tais “números”. Dois exemplos a este respeito, ambos ocorridos numa entrevista concedida a Miguel Sousa Tavares há uns meses.
Confrontado por este sobre o facto de Portugal estar a ser ultrapassado pelos países do Centro e Leste Europeus, respondeu que o PIB per capita em Portugal tinha subido claramente em termos de média europeia, comparando essas percentagens entre uma data da EU a 15 países com a atual a 27.
Os dados estatísticos estão corretos, mas a legitimidade da comparação cai pela base pois a entrada de países com PIB baixos atirou também as médias para valores mais baixos.
Acrescentou, ainda, e aí vem o segundo exemplo, que Portugal estava desfavorecido por estar na periferia da Europa, enquanto esses países estavam no centro, próximos dos países mais ricos.
Só que, logo a seguir, confrontado com a manutenção da TAP, ressaltou o papel exportador desta e o seu papel fulcral, favorecido pela situação geográfica de Portugal.
Ambas as afirmações são verdade, mas o mesmo tema (localização geográfica) é utilizado com duplo sentido, conforme a situação em análise, embora o que estivesse em causa fosse um tema comum: a economia portuguesa.
Claro que estas posições passam em claro, tanto mais quanto a capacidade analítica dos jornalistas e da oposição for fraca ou, o que também é provável, por viverem no mesmo ambiente de “meias-verdades” em que a política se tornou.
E essa “meia-política” é visível quando quase todos aceitam que se vai votar o “primeiro-ministro”. Não vai! Obviamente a votação é determinante na escolha do primeiro-ministro, mas os eleitores escolhem os deputados e não o primeiro-ministro.
Mas escolhem mesmo os deputados? Não! Escolhem os partidos e são estes que escolhem os potenciais deputados. Qual, então, a responsabilização de cada deputado perante cada eleitor?
E vamos continuar assim?
Até sempre,
Texto escrito segundo as regras do Acordo Ortográfico de 1990