Opinião
Retoma do desporto: desafios inimagináveis
Afigura-se muito difícil para qualquer clube desportivo preparar a retoma à actividade em Setembro.
A Direcção-Geral da Saúde (DGS) emanou as directrizes que possibilitam o regresso aos treinos e competições dos atletas em segurança, a fim de minorar o risco de transmissão do SARS-CoV-2.
A Covid-19 veio trazer ao actual contexto desportivo enormes desafios, muitos deles inimagináveis e nunca antes vivenciados, projectando o desporto e a sociedade para um novo paradigma para o qual praticantes, famílias, clubes e agentes desportivos não estavam preparados.
O documento orientador da DGS é tardio e não se foca na base da pirâmide desportiva, aproximadamente onze mil clubes de formação. Categoriza as modalidades de “alto risco”, “médio risco” e “baixo risco”, focando-se na natureza competitiva formal.
Afigura-se muito difícil para qualquer clube desportivo preparar a retoma à actividade em Setembro.
Quando se planifica estrategicamente uma época desportiva e em especial esta, atípica, a pertinência da definição de objectivos, de acções articuladas e de constrangimentos é de primordial importância.
Afigura-se necessário nesta preparação o conhecimento e implementação dos referenciais da DGS, do Ministério da Educação e da Secretaria de Estado da Juventude e Desporto a fim de, tendo em conta cada território e cada modalidade, actuar de forma pró-activa. E, simultaneamente, a definição de estratégias que mobilizem novamente os jovens para a prática desportiva e a necessária confiança dos encarregados de educação.
Se considerarmos que a base da formação desportiva se baseia em clubes amadores, podemos questionar: como se conseguirá organizar um clube validando a importância da actividade física regular? Como poderá potenciar os valores formativos do desporto?
E como dará continuidade ao trabalho desenvolvido na promoção de hábitos de vida saudáveis, se a nível organizacional, dos recursos físicos, dos recursos humanos e dos materiais, tiver poucas ferramentas para dar resposta às exigências da DGS?
Neste momento, os clubes ainda não conhecem o número de praticantes, não possuem instalações que permitam locais de treino cumprindo o distanciamento social preconizado de três metros (mantendo o mesmo número de praticantes), não usufruem de apoios para cumprir as condições de higienização e segurança, têm dificuldade em activar e validar o seu plano de contingência para a Covid-19.
Paralelamente, desconhecem o horário lectivo e o funcionamento das escolas, tornando ainda mais árdua a planificação da época que se avizinha já no início de Setembro.
Estes e outros pressupostos, baseados em estratégias diferenciadas, tais como a redução do número de atletas por classe, os horários desfasados e com intervalos para a respectiva higienização dos espaços ou o treino individualizado e condicionado sem contacto necessitam de ser rapidamente colocados no plano de acção de cada clube, perspectivando a retoma.
Ao contrário de outros sectores económicos, este documento da DGS exige ainda, no contexto desportivo, a necessidade de todos os praticantes e respectivos treinadores assinarem um termo de responsabilidade onde se comprometem “pelo cumprimento das medidas de prevenção e controlo da infecção por SARS-CoV-2, bem como, o risco de contágio durante a prática desportiva”. Questionamos o objectivo deste procedimento: é desresponsabilização da tutela?
Paralelamente, parece-nos financeiramente incomportável que todos os clubes com modalidades incluídas no grupo de alto risco, como o judo, realizem testes até 48 horas antes da competição.
Indagamos se os clubes de formação possuem departamentos médicos, a fim de garantir uma avaliação clínica periódica e identificando precocemente qualquer sintoma sugestivo da Covid-19, como exigido pela DGS.
Este será um enorme desafio para todos os clubes de formação, com os quais partilho estas e outras preocupações. Urge agir articuladamente em prol do desenvolvimento de um desporto de base, de valores e com cultura desportiva. Sejamos pró-activos e capazes de dar corpo ao mote vamos todos ficar bem.