Editorial

Salto gigantesco

2 jan 2020 00:30

No entanto, como indicam os muitos estudos realizados, são as pessoas com mais formação que em contexto de crise têm mais probabilidade de manter/conseguir emprego, como são estas que, em média, auferem vencimentos mais elevados.

Por muito que se possa criticar o sistema de ensino português, a verdade é que a transformação que este possibilitou na nossa sociedade na últimas décadas é absolutamente incrível.

Apesar de a taxa de analfabetismo ser ainda das maiores da Europa, os 5% actuais estão já longe dos 25% dos anos 70, dos 40% dos anos 50 e dos 70% do inicio do século passado. A par da redução do analfabetismo, assistiu-se ainda à democratização do ensino, com o aumento da escolaridade obrigatória, de seis para nove anos em 1986, e para 12 anos em 2009, e à massificação do acesso ao ensino superior.

Ou seja, hoje, é possível encontrar em inúmeras famílias o feito incrível de ter a conviver à mesma mesa os avós com a 4ª. classe, a geração intermédia com o antigo ciclo preparatório ou o liceu, e os netos com formação superior, não raras vezes doutorados.

Nem todas as famílias deram um salto tão significativo, é verdade, como também o é o facto de muitos dos que conseguiram um diploma não melhoraram o nível de vida face aos seus ascendentes, deixando o sentimento de que o esforço económico e o sacrifício de tempo não trouxeram a devida recompensa.

É comum ouvir-se, aliás, que não vale a pena prosseguir estudos, pois fulano A ou sicrano B têm um curso superior e trabalham numa caixa de supermercado ou numa qualquer superfície comercial, sem qualquer desprimor para estas profissões, numa análise perigosa de tirar o todo pela parte.

Ao contrário do que acontecia no passado, mais estudos não são sinónimo de emprego, é certo, até porque, felizmente, hoje, a oferta é incomparavelmente maior, sendo muitas mais as pessoas que se apresentam com formação superior.

No entanto, como indicam os muitos estudos realizados, são as pessoas com mais formação que em contexto de crise têm mais probabilidade de manter/conseguir emprego, como são estas que, em média, auferem vencimentos mais elevados.

Olhando para as coisas menos pragmaticamente, e não sendo esta uma regra exacta, há ainda a questão de um percurso académico mais longo estar geralmente associado ao ganho de espírito crítico, a uma cultura mais sólida e a uma mente mais aberta para o conhecimento, para a diferença e para o novo.

Ou seja, quando se fala na transformação que o nosso País teve, fruto do maior nível de escolaridade da sua população, não se está a referir apenas o aumento do conhecimento técnico ou o eventual melhor nível salarial, mas também, e talvez principalmente, uma forma diferente de pensar e de olhar para o Mundo.

Foi muito isso que Portugal conquistou nas últimas décadas, sendo o nosso País, hoje, muito mais cosmopolita e dado à modernidade, de uma forma que o avô com a 4.ª classe tem, muitas vezes, dificuldade em perceber a vida que o neto leva ou deseja, espelhando a diferença gigante entre gerações que a escolaridade acentuou.