Opinião
Ser festeira em Caldelas
Num mundo incerto como o que temos, é tão bom saber que há coisas que não mudam
Já escrevi sobre festas de aldeia. Contudo, fi-lo despojada do apego que me faz hoje regressar ao mesmo tema. Durante os últimos meses fui “festeira” da festa de inverno da aldeia de Caldelas, o lugar fundador da minha instrução primária e doutrina cristã. O passado por lá vivido ditou agora a minha participação nesta celebração, uma vez ser organizada pelos “jovens com 45 anos”.
Ao longo destes meses, fui dando conta que várias das tradições e dinâmicas preparatórias do evento eram alheias a muitas pessoas que conheço. Memórias que carrego desde criança e que fazem parte de um espólio coletivo eram na verdade incomuns, desde a terminologia utilizada (o pegar da bandeira, o ser festeira), às ações inerentes à angariação de fundos para tornar a festa uma realidade (almoços de domingo, torneios de sueca, leilões, peditórios, venda de rifas).
Percebi também que há a ideia generalizada (e errada) de que “o dinheiro vai para o padre” e que a intenção dos festeiros (os organizadores) nem sempre é entendida como aquilo que na verdade é: fazer uma festa para todos, garantindo assim a constante renovação de um legado que faz parte da identidade de um lugar. Se dá trabalho? Dá de facto e horas de sono a menos, mas vale a pena! Para mim, que voltei a encontrar colegas de carteira e a reviver sensações perdidas no tempo foi compensador!
É de facto extraordinário que pequenos instantes, como o barulho do salão, os pregões dos vendedores em cada leilão, o desenrolar das rifas na quermesse, os andores de bolos e chouriças, os foguetes, as caras de antes envelhecidas agora, os linguajares típicos do mé pai e do não tenho vagar, tenham o poder de me devolver tempos antigos!
Num mundo incerto como o que temos, é tão bom saber que há coisas que não mudam e que eu, por exemplo, serei sempre uma das gémeas do Bengala. Nós somos as memórias que temos e muitas das minhas esperavam por um momento como este para me dizer que o que lá vai continua lá. Todo o tempo perdido foi ganho!
Texto escrito segundo as regras do novo Acordo Ortográfico de 1990