Opinião
Sorte
A derradeira solução proposta foi que engravidasse na tentativa de encontrar compatibilidade no bebé por nascer.
É angolana, tem quarenta e sete anos e cinco filhos.
Descobriu que o filho do meio tinha leucemia aos quatorze anos.
Em Angola, no hospital, disseram-lhe para tratar dele na Alemanha ou em Portugal. Optou por este último.
À chegada ao aeroporto à espera dela e do filho tinha uma equipa médica e a assistente social do Instituto Português de Oncologia para os ajudarem nos passos a dar.
O filho ficou internado dois anos. Não encontraram dador compatível.
A derradeira solução proposta foi que engravidasse na tentativa de encontrar compatibilidade no bebé por nascer.
Engravidou aos quarenta e cinco anos com o marido que retornou para o efeito.
A Maria nasceu e as células do cordão umbilical que a ligavam à mãe eram compatíveis com as do irmão.
Salvou-lhe a vida, a ele e a alguns outros com células compatíveis.
O marido e a Maria-bebé voltaram para Angola para junto do resto da família. Ela e o filho ficaram cá para completar os ciclos de tratamentos do irmão.
Vêem-se há dois anos por videochamadas e as viagens anuais para matar saudades ficaram agora barradas pela pandemia por Covid-19.
A ambulância dos bombeiros transporta semanalmente o filho para os tratamentos no IPO.
Ela não pode agora acompanhá-lo porque é uma ameaça para as suas defesas frágeis.
O mais velho em Angola, casou e deu-lhe um neto.
Ela sabe-se avó mas ainda não o sentiu ao toque.
A Maria é dos cinco filhos a que melhor sabe falar português e tem o nome da médica que a fez nascer e que se demorou com o cordão umbilical nas mãos cujas células salvaram o filho-irmão.
O filho que faz tratamentos semanais estuda engenharia porque não teve média para entrar em medicina.
Ela trabalha a dias. Hoje não é dia da Mãe.
Há vidas mais a sério que outras. E há sorte.