Opinião

Teorias rurais

30 mai 2021 15:30

Oponho-me portanto a esta “marinhização” de Leiria enquanto cidade movida a pedais! Uma capital com absurdos carreiros alcatroados junto a fétidas linhas de água acossadas pelo betão envolvente?!

Os alperces de maio são em grande medida os responsáveis por nos imaginarmos mediterrânicos sempre que a primavera regressa.

Mas é enganosa a viagem, que na verdade coloca o damasco nos confins asiáticos, baralhando a nossa esquizofrénica dieta e a nossa desordenada identidade. Nem só de vinho, favas e bolota se faz o leiriense, especialmente na primavera!

Mas nem só de fruta vive o homo lisensis, e felizmente este passou também a poder conviver com três belos funiculares!

Longa vida a estas coisas sobre carris, que levam as pessoas que gostam de paisagem a subir sentadas até ao altaneiro castelo.

Enfim, as coisas regressam à normalidade: São Pedro de Moel continua um deserto exílio de privilegiados, Fátima já voltou a encher, a escola nunca mais acaba, a Vieira já foi mais barata, há estradas a mais entre Leiria e a Batalha, os plátanos estragam o ar e ofendem a neve.

Mas o tema verdadeiramente fraturante dos últimos meses está ligado à tentativa de inscrever formalmente o “belo, sustentável e para todos” no programa da cidade (imagina-se que os contextos não-urbanos não necessitem de qualquer pensamento deste tipo?!).

O esforço por dotar a metrópole situada entre Pombal e as Caldas com coisas belas e coloridas é um pensamento muitíssimo radical que contraria todo o pacote de “desenvolvimento” que vem sendo implantado. E que assenta, como sabem, no feio.

O caso do ciclismo é disso excelente exemplo. Tive já o infortúnio de viver em Amsterdão e tenho o privilégio de conhecer Ho Chi Minh, e posso garantir-vos que nunca tive de pedalar nada semelhante a uma Calçada do Bravo, ou a um Casal dos Matos.

Oponho-me portanto a esta “marinhização” de Leiria enquanto cidade movida a pedais! Uma capital com absurdos carreiros alcatroados junto a fétidas linhas de água acossadas pelo betão envolvente?!

Tenho assim sérias dificuldades em entender a inscrição deste novo “belo” normalizado (por Bruxelas) como modelo, quando é o “feio” que nos define, alimenta e seguramente diferencia.

 

Texto escrito segundo as regras do Acordo Ortográfico de 1990