Opinião
Ter “tudo”, mas não estar feliz
Falar de saúde mental não é um luxo, é uma necessidade
“Estás a exagerar, tem calma.” “Só queres chamar a atenção.” “Isso é só preguiça.” Este mês é conhecido por “Setembro Amarelo”, uma campanha de prevenção do suicídio. Mas será necessária?
A Organização Mundial da Saúde considera o suicídio uma questão de saúde pública, responsável por mais de 700 mil mortes por ano em todo o mundo. É a quarta principal causa de morte entre jovens a nível global e a segunda em Portugal.
Segundo a OMS, mais de mil milhões de pessoas vivem com algum transtorno mental. Na União Europeia, 46% dos cidadãos enfrentaram problemas psicológicos em 2023, mas metade não procurou apoio profissional. Portugal está entre os países com maior prevalência de doenças psiquiátricas na Europa.
Perante estes números, com tendência crescente, há quem questione se enfrentamos uma verdadeira crise de saúde pública ou apenas uma “epidemia de diagnósticos”. Nas redes sociais multiplicam-se informações sobre saúde mental (umas úteis e outras mais superficiais), e há quem acuse um certo “modismo”. Mas reduzir depressão ou ansiedade a uma moda, parece-me banalizar uma realidade grave.
No nosso País, o estigma ainda é forte. “Tu tens tudo... Estás triste porquê?”, refletiu recentemente a atriz Inês Aires Pereira, no programa televisivo “Alta Definição”. Também eu me faço essa pergunta (mais vezes do que queria admitir), enquanto penso nos jovens, por todo o mundo, que enfrentam situações inimagináveis, e que eu tanto queria ter forças para ajudar. Mas a verdade é que ter tudo não é sinónimo de estar bem. Podemos ter uma vida considerada privilegiada, e sofrer de ansiedade ou depressão.
O psiquiatra Gustavo Jesus, no seu livro “300 mil anos de Ansiedade” (que recomendo vivamente), explica que em poucas centenas de anos, os estímulos potenciadores de stress mudaram radicalmente. Ritmo de trabalho acelerado, excesso de informação online, fake news, crises económicas, imagens de atrocidades de todo o mundo e instabilidade geopolítica. O nosso cérebro não está adaptado para lidar com estes fatores de stress psicológicos.
Se existem mais diagnósticos, o mais provável é que isso se deva, não só ao avanço da medicina, mas também ao aumento da complexidade da nossa vida moderna. E, felizmente, à maior consciencialização promovida por campanhas como o “Setembro Amarelo”. Falar de saúde mental não é um luxo, é uma necessidade. E cuidar da nossa saúde mental não é egoísmo, mas uma condição para podermos ser uma presença ativa e positiva para os outros.
Texto escrito segundo as regras do Novo Acordo Ortográfico de 1990