Editorial

Terra de oportunidades

5 ago 2021 11:45

A terra, ainda ferida das queimaduras de 2017, recupera como pode, sujeita aos paliativos de quem traça planos e define estratégias

Não podemos deitar a toalha ao chão, como se o interior não tivesse solução”.

A primeira parte da frase podia ter sido proferida por um qualquer desportista na ressaca da derrota.

A segunda, de teor mais resiliente, podia ter saído da boca de um ambientalista, de um filósofo, de um poeta ou de um ideólogo.

Mas não! Foram ambas verbalizadas numa aldeia do norte do distrito de Leiria com pouco mais de uma dezena de moradores, por um advogado, filho da terra, que trabalha a uma hora de distância, mas não desiste de manter vivo o habitat onde nasceu e cresceu.

Esta semana trazemos até si o retrato da freguesia menos povoada do distrito. Há por ali espaço a mais e pessoas a menos.

A terra, ainda ferida das queimaduras de 2017, recupera como pode, sujeita aos paliativos de quem traça planos e define estratégias.

Os moradores, esses, vão desistindo, vencidos pelo cansaço da ‘desertificação’ e da solidão. E são poucas as excepções de resiliência, como as que ouvimos para o trabalho de abertura desta edição.

O que já se vinha constatando no terreno foi confirmado pelos dados preliminares do último Censos: o distrito de Leiria perdeu mais de 12 mil habitantes.

A maioria saiu dos concelhos mais a norte, agravando ainda mais o deficit de densidade populacional.

As causas desta debandada serão, provavelmente, objecto de estudo por parte dos especialistas.

Mas para já, o que fica claro é que as medidas para fixação da população nas chamadas zonas de baixa densidade não alcançaram os objectivos.

Muito menos os incentivos avulsos, desprovidos de propósitos de compromisso com a essência do lugar.

A pandemia incentivou-nos a visitar mais o interior, é certo.

Mas quantos de nós voltámos com as coordenadas de um lugar onde se pode inspirar a melhor fragrância de rosmaninho, com a melodia de uma toutinegra no pensamento, com a recordação das histórias de um qualquer Manuel Prior?

Quantos de nós nos deleitámos a apreciar a imponência de um carvalho-alvarinho adulto ou a caminhar por entre bosques de sobreiros, rasgados por linhas de água transparente?

Quantos de nós nos preocupamos em defender com convicção que o interior pode ter mesmo uma solução e que pode ser verdadeiramente uma terra de oportunidades?