Opinião

Turismo

15 dez 2024 10:27

Criar aquilo que nos distingue dos outros é um exercício que requer muito empenho e muito trabalho

As cidades, como as organizações, os eventos e as pessoas, vivem das e nas narrativas que constroem. Eu não percebo nada de urbanismos ou de planeamento das paisagens urbanas mas gosto muito de cidades e, por isso, cada vez que me passeio por uma, seja qual for, procuro sempre perceber que raio de história me está a contar.

É um impulso incontrolado que suponho ser partilhado por milhões de pessoas se não por toda a gente, habitantes provisórios da urbe que nela procuram o usufruto do que lá está, a fruição do que foi ficando e o gozo de ser conduzido por uma história, uma ficção erguida sobre restos, ruas, lojas, igrejas, edifícios, pontes, quadros, jardins ou museus e que nos é oferecida momentaneamente à revelia dos que nela habitam, dos que nela vivem como personagens involuntárias da narrativa. Nós somos, é claro, os turistas.

É muito difícil quando regressamos não trazermos connosco imagens desse outro mundo e procurarmos em casa reproduzi-las mas, fazemos mal. As nossas histórias raramente, se é que alguma vez, são as histórias dos outros. O que acontece é que se procura substituir a história que a cidade nos conta por uma narrativa provisória assente num evento. É incomensuravelmente mais fácil e mais barato.

Criar aquilo que nos distingue dos outros é um exercício que requer muito empenho e muito trabalho. Basta visitar qualquer aglomerado urbano nesta altura do ano para vermos as mesmas luzes, os mesmos enfeites, os pindéricos mercados e, em bem podendo, as pistas de gelo ou o pinheiro mais alto e olhar para as pessoas.

Na realidade não há turistas, enquanto inquilinos de uma fábula urbana coerente e bem feita, porque não há razão nenhuma para os haver. Há em contrapartida a transmutação de parte dos próprios habitantes em turistas, gente que à falta de melhor se imagina noutro lado qualquer onde tudo aquilo tenha significado. Eles não sabem onde e eu ainda menos.

Não tenho nada contra feiras ou mercados, nada contra enfeites em termos genéricos, nada contra “o que toda a gente tem” mas também sei que a memória não se desenha assim. E a memória é, de um certo modo, tudo.