Opinião
Um francês, um inglês e um português estão a ver futebol
Desde o início do Euro2016 que estou em Paris a trabalhar para a UEFA, interpretando em simultâneo todas as conferências de imprensa portuguesas para inglês e as dos nossos adversários para português.
Todos os dias eu via as “minhas” palavras e expressões estampadas na imprensa nacional e estrangeira, no entanto o nosso trabalho é feito na sombra, completamente nos bastidores.
Somos aqueles que todos ouvem, mas de quem ninguém se apercebe, a menos que algo corra muito mal. Tive o orgulho de fazer parte de uma equipa composta de um moldavo, um ucraniano, um húngaro, dois alemães, dois britânicos, uma checa, uma eslovaca, um belga, um francês, um turco, um albanês, um croata, um espanhol, um polaco, um russo e um autêntico viking islandês.
Foi um prazer conhecer todas estas pessoas, com histórias e vidas tão diferentes. Alguns deles pessoas inteiramente ligadas ao futebol, com conhecimentos linguísticos, outros profissionais das línguas que estudaram futebol e um único intérprete de carreira, com um grande amor à pátria, à causa do futebol e sempre disposto a um desafio novo (eu).
Foi um mês longe da família, a viver em hotéis que, ocasionalmente, deixaram muito a desejar, numa cidade linda, mas à qual estava confinado, sabendo de antemão que me seria impossível ir ver qualquer um dos nossos jogos ao estádio. Ainda assim, imbuído de espírito de missão e vontade de fazer bem, lá me lancei para Paris.
Com o avançar do torneio fui ouvindo e fui tendo de dizer coisas desagradáveis sobre a nossa equipe, críticas de maus perdedores, de pessoas melindradas, a atirar-se à nossa equipa, porque não ganha, porque demora a ganhar, porque defende, porque isto, porque aquilo.
Só tenho a louvar a serenidade do nosso mister, ao manter sempre o mesmo rumo, a mesma tranquilidade, a mesma certeza de chegar ao propósito final. E lá fomos progredindo no torneio e o melhor sinal disso mesmo foi a partida de colegas, que se foram tornando bons amigos e com os quais manterei certamente contacto.
Uma coisa curiosa foi que, apesar de algumas críticas, todos os intérpretes que partiam passavam a apoiar, como equipa de recurso, a nossa equipa. Na final recebi mensagens de todos a demonstrar o seu apoio.
Bom, de todos menos dos franceses, mas os descendentes do senhor Chauvin são mesmo assim. Chegados à final, com todo o mérito, foi um jogo de nervos, sabia-se que ia ser muito táctico, com as equipas a estudar-se mutuamente. No momento do revés que foi a lesão de Ronaldo houve duas reacções distintas do público francês.
Os verdadeiros amantes do futebol demonstraram-me o seu pesar por tão infausto acontecimento e uns, poucos, rejubilaram e admito que houve mosquitos por cordas, mas acabei por ir arejar a cabeça e ver o jogo noutro sítio.
Não sou de fazer grandes conjecturas, mas a verdade é que sem Ronaldo só podíamos ganhar se fôssemos uma verdadeira equipa e fomo-lo, mesmo até ao fim e o herói foi o mais improvável, mesmo ao cair do pano e estamos todos de parabéns. Tanto quem está na ribalta, como nós, os dos bastidores. Uma nota para lembrar os críticos de que em 7 jogos o Homem do Jogo foi sete vezes português, critiquem isso!
Uma última mensagem aos jornalistas, sobretudo aos nacionais: em conferências de imprensa com interpretação falem a vossa língua materna. O mais provável é que não dominem as línguas estrangeiras tão bem como pensam e os intérpretes são pagos para fazer isso.
Deixem a malta trabalhar!
* Intérprete na UEFA, durante o EUro 2016