Opinião
Vamos falar de violência?
Continuamos a conviver com a violência e não apenas com a violência militar e armada
O ano ainda vai a meio e, em Portugal, já morreram 13 mulheres às mãos de maridos ou companheiros tresloucados ou ciumentos.
É quase o número total de vítimas mortais de violência doméstica em todo o ano de 2021.
Sem referência a casos concretos, sem associação a um rosto, estes indicadores parece que soam apenas a estatística.
Mas dizem respeito a vidas humanas, ceifadas muitas vezes de forma cruel, cobarde e egoísta.
No século XIX, o filósofo Friedrich Nietzsche já dizia que “a crueldade é um dos prazeres mais antigos da Humanidade”.
E de facto, chegados ao século XXI, a teoria não só se comprova como dá sinais cada vez mais preocupantes de forte agravamento.
Vivemos uma guerra em directo, assistimos no sofá às inúmeras histórias de famílias que perderam a casa, o futuro e a dignidade, visualizamos o disparo de mísseis, rockets e afins em todos os telejornais, mas, paulatinamente, vamos desviando a nossa indignação.
Já não parecemos tão preocupados com o destino das pessoas obrigadas a fugir do conflito.
As atenções estão agora mais viradas para os impactos que a guerra está a causar no nosso dia-a-dia, como o aumento do preço dos combustíveis, a subida dos preços dos bens alimentares, a falta de matérias-primas, o agravamento das taxas de juros.
E, enquanto isso, continuamos a conviver com a violência e não apenas com a violência militar e armada.
Não conseguimos acabar com a violência doméstica, com a violência sexual contra menores, com a violência contra pessoas idosas, com a violência do tráfico humano, com a violência do discurso de ódio contra as minorias, com a violência dos comportamentos racistas e homofóbicos.
Isto para não falar da violência verbal que se vai distribuindo gratuitamente pelas redes sociais, ou da violência moral que é saber que, em 2021, existiam em Portugal 2,3 milhões de pessoas em risco de pobreza ou de exclusão social.
Depois de uma onda impressionante de voluntarismo no acolhimento aos refugiados ucranianos, começamos também a assistir, como lhe damos conta esta semana, a despejos inusitados, em nome da retoma da actividade turística.
Não será isto uma outra forma de violência?