Opinião

Vão chover Amaros... e leituras!

19 jan 2023 10:18

O Amaro, o da história e tantos outros (sendo padres, sendo homens casados, sendo solteiros), facilmente alvos da chacota alheia, mais não são do que a amostra do que o humano em nós por vezes “consegue”

Começou esta semana e anuncia-se para as próximas, a apresentação na RTP da mini-série que, além de filmada em terras leirienses, tem inspiração em acontecimentos descritos na obra de Eça de Queirós, “O Crime do Padre Amaro”. Obra que tem como palco, efectivamente, a cidade e, supostamente, algumas personagens que terão tocado a existência real, ou pelo menos, alguns actos que terão inspirado a construção das personagens da história. Nomeadamente, no que ao clero e seus comportamentos diz respeito, assim como a toda uma “tipologia” de pessoas que abundavam e abundam nas nossas comunidades humanas.

Novamente, e digo novamente, porque várias foram as adaptações, cinema e televisão incluídas, que a história já teve (sendo que esta é apresentada para adultos, como quase todas, diga-se). Imagino que teremos a opinião pública, já não a discutir, mas a partilhar todo um conjunto de dizeres e análises finais, “profundas e definitivas” e a intentar sem dó nem piedade à reformulação da Igreja universal em geral.

Para já ficam as notas.

A positiva, do esforço de algumas entidades locais aproveitarem o evento para a promoção desta nossa região e cidade. De sublinhar o esforço de retratar uma sociedade pseudo-urbana do final do século XIX.

A negativa, vejamos se não veremos o clero e o ambiente crente a serem tratados como se dos únicos maus da fita se tratassem. Percebe-se que vamos cair na excessiva “criminalização” clerical como se fosse uma classe que, objectivamente, é/fosse de má consciência e pior conduta.

Talvez por isso, o Amaro, o da história e tantos outros (sendo padres, sendo homens casados, sendo solteiros), facilmente alvos da chacota alheia, mais não são do que a amostra do que o humano em nós por vezes “consegue”. Não por vontade de infidelidade, não por vontade de contrariar os votos antes assumidos, mas simplesmente porque permite ou dá azo à mais básica e bela das manifestações humanas: a da comunhão com outro ser, a união da vida e de corpos, a partilha dos desejos e sentimentos, a procura do prazer e da intimidade.

Poderemos acusar o Amaro por se ter apaixonado? - Não me parece. Assim como não podemos, simplesmente, aceitar que isso acontece ou aconteça porque o cenário clerical era de infidelidade constante e instalada supostamente aceite socialmente.

Podemos dizer que esteve mal ao ser infiel aos seus compromissos e a não ser capaz de tudo fazer para que o final da história tivesse sido outro, também. Contudo, nem todas as histórias são as de amaros, haverá outras, ainda piores e outras, esperamos, bem melhores e inspiradoras. São histórias de lutas, de conflitos, sociais e particulares. Se quisermos interiores e bem humanas.

Quando, o que se trata, ao amor diz respeito, todos sabemos, que o coração e razão se entrelaçando numa cumplicidade explosiva, deixam rastos. De loucura, de insensatez, de ilusão, de verdade, de paixão... e tantas vezes de bem, também!

Quem nunca?