Opinião

Viver em liberdade

13 jul 2023 16:35

Pasmo com a dificuldade ainda sentida por tantos em aceitar que cada um viva como e com quem quiser

Significa cada um de nós poder agir segundo o seu livre-arbítrio e a sua vontade, na possibilidade da independência, da autonomia, da espontaneidade e da livre expressão. Mas sempre, conforme sabemos, sem com isso beliscar a liberdade dos outros.

E aqui surge muitas vezes o atropelo aos direitos de cada um, a dificuldade em entender, concordar, e estabelecer limites, a dificuldade em decidir quem recua se as liberdades de acção colidem, e a sabedoria em saber parar com “brincadeiras”, que não o são, sobre assuntos como a orientação sexual ou a religião.

Há dias vimos as imagens da fúria desencadeada pela revolta, nas ruas de Paris. O acontecimento que a desencadeou, é inadmissível e desumano, justificando toda uma imensa indignação e todas as formas de luta que chamem a atenção para a necessidade de erradicar a brutalidade contra comunidades minoritárias.

Mas não a destruição de bens públicos (são de todos, não são do governo) ou privados, nem a instalação do medo, pois todos os cidadãos cujas casas, carros e estabelecimentos foram destruídos estavam certamente do lado da vítima, e não do carrasco. E nunca o perigosíssimo “dente por dente” como o poderia ter sido o ataque à família do presidente da câmara francês.

Também há uns dias vimos as imagens de mais uma parada LGBT e notei no comedimento de quem se manifestava, num exercício de liberdade sem necessidade de exibição gratuita, porque bastava a força dos incontornáveis direitos, plasmada na seriedade da atitude e da mensagem veiculada nas vozes e nos cartazes. 

Pasmo com a dificuldade ainda sentida por tantos em aceitar que cada um viva como e com quem quiser, e anseio pelo dia em que as mãos, os braços e as bocas se encontrem, publicamente, como for de sua vontade.

Acredito que nas nossas vidas livres a liberdade de pensamento ancorada na liberdade interior - esta de mais difícil conceptualização e tradução - seja a mais importante, e que por isso deva ser cultivada, acarinhada e gozar de um espaço importante. É ela que nos liberta dos enganos e dos erros que podemos cometer no exercício externo da nossa liberdade; é ela que nos conduz às fórmulas de luta inteligentes, sensíveis e eficazes, porque não colidem com a liberdade dos outros; é ela que nos faz crescer, evoluir, mudar, criar, contribuir, dar exemplo e, acima de tudo, entender o que significa ser-se livre.

Precisamos do recolhimento que permite ouvirmo-nos a nós próprios, das leituras do que outros já pensaram, da conversa com os que pensam agora; precisamos de amadurecer ideias e de as trocar com outros; precisamos de descobrir, de nos surpreender, e de amadurecer os dados novos; precisamos de leveza, bem-estar e acolhimento.

Felizmente há espaços/ mundos assim, nas nossas casas, no nosso círculo de amigos, ou nos locais de trabalho, para os mais afortunados. Mas, para todos, há um lugar público, cada vez mais bonito e acolhedor, um lugar em que se encontra muito do que é necessário para se saber ser livre como deve ser: a Arquivo existe para nos podermos encontrar, e aos outros.