Estando em minoria, na câmara e na assembleia municipal, conseguiu aprovar o seu primeiro orçamento por unanimidade. Que significado atribui a essa votação e que expectativa se abre para o mandato?
Quando me candidatei, tinha dois objectivos: executar o projecto com que me apresentei aos eleitores e criar condições para haver em Castanheira de Pera uma conciliação entre as várias forças políticas para, em conjunto, fazermos um trabalho eficaz em prol do concelho. Além de unânime, a aprovação do orçamento contou com referências positivas da oposição. É a minha primeira vitória. Conseguimos, eu e a equipa que me acompanha, incluindo os funcionários da autarquia, dar um passo fundamental para que o nosso projecto seja concretizado. O documento vai ao encontro das necessidades do concelho em várias áreas. Eleva-nos a responsabilidade.
Apontou a criação de condições para a fixação de empresas e de pessoas como a grande prioridade do mandato. Essa estratégia já está reflectida neste orçamento?
O grande desafio de territórios como Castanheira de Pera é a inversão do declínio demográfico. Mas só conseguimos atrair pessoas, se tivermos empresas e condições para que estas se fixem. Temos três áreas empresariais que precisam de um trabalho de fundo. Inscrevemos em orçamento mais de 200 mil euros para requalificar a rede viária do parque do Safrujo, cujas acessibilidades são muito precárias. Estamos também a desenvolver o projecto para a Barros III, uma antiga fábrica têxtil adquirida pela câmara, para criar um condomínio empresarial. Temos uma outra antiga unidade industrial, a Retorta, que é do município, que iremos intervencionar, havendo já empresas interessadas em instalar. Entre as duas unidades, queremos desenvolver uma zona empresarial, sendo que parte dos terrenos já são camarários. A ideia é termos várias ofertas para empresas, a preços competitivos.
Voltando às questões orçamentais, a câmara fechou o último ano com um saldo de gerência de três milhões de euros, ou seja, quase metade do orçamento aprovado para 2022 (6,3 milhões). A que se deve esta acumulação de saldo?
É resultado de uma fraca taxa de execução, que, no primeiro semestre de 2021, foi de apenas 11% das Grandes Opções do Plano. Não quero falar muito do passado, mas é inquestionável que, nos últimos anos, faltou estratégia para o concelho, que se traduziu na ausência de projectos e de candidaturas a fundos, nomeadamente aos que se destinavam aos territórios afectados pelos incêndios de 2017. Foi um conjunto de oportunidades perdidas.
Em dez anos, Castanheira de Pera perdeu quase 17% da sua população. Como se pode inverter este ciclo?
Em 1864, no início do nosso processo de industrialização, tínhamos 3.972 residentes. Em 2021, éramos apenas 2.647. Não vamos inverter a tendência de despovoamento com a natalidade. Temos de abrir portas à imigração. O caminho para estes territórios passa, não só pela mobilidade de pessoas a nível interno, mas também pela abertura de portas a pessoas de fora que, muitas vezes, andam apenas à procura de segurança. Se formos inclusivos, nas mais diversas áreas, acredito que conseguiremos inverter a tendência de redução demográfica.
A pandemia pode fazer com que se olhe para estes territórios com outro interesse?
Sem dúvida. A pandemia veio dar uma perspectiva diferente destes territórios, que não são territórios de interior, mas de baixa densidade demográfica. Estamos a 15 minutos de uma auto-estrada, a pouco mais de meia hora de um centro urbano como Coimbra e a uma hora e meia de Lisboa. A ligação a Pombal é mais complicada, por causa dos problemas do IC8 no troço entre Pombal e Ansião, que urge resolver. Isso permitia também que ficássemos mais próximos da ferrovia. Com a pandemia, percebemos que podemos trabalhar em qualquer lado do mundo, desde que tenhamos boa fibra óptica.
E Castanheira de Pera tem?
Não. Iremos reunir em breve com a Altice para debater este tema que nos preocupa. Não podemos querer ter espaços de coworking, como aquele que pretendemos instalar na antiga escola primária Viscondessa de Nova Granada, ou atrair nómadas digitais se não tivermos boas condições. Mesmo depois do que aconteceu em 2017, continuamos a ter linhas de fibra aéreas ou zonas onde há linhas, mas o serviço não está disponível por falta de um ramal. Hoje é tão importante termos uma boa rede de fibra como uma boa estrada.
Ultrapassada que seja essa questão, que mais-valias tem o concelho para convencer quem vive numa cidade a fixar-se em Castanheira de Pera?
Temos qualidade de vida, segurança, apoios à infância, contacto com a natureza e um imenso património cultural e natural. O custo de vida é também muito mais baixo do que num grande meio urbano.
O Estado tem feito o que pode e deve para ajudar estes territórios a inverter o ciclo de despovoamento?
Claramente que não. Só conseguiremos ser diferenciadores e mais atractivos, se houver medidas feitas especificamente para estes territórios. Temos de ter cuidados de saúde de proximidade e escolas que ofereçam o mesmo que as escolas dos centros urbanos. O Estado tem de olhar para estes territórios de forma diferente. O problema é que, muitas vezes, quem está nos gabinetes em Lisboa não conhece esta realidade.
A regionalização pode ajudar a esbater as assimetrias territoriais?
Sou favorável à regionalização, desde que traga uma maior proximidade dos serviços públicos aos cidadãos e que seja acompanhada de um pacote financeiro robusto. Esta é a grande dificuldade da transferência de competências, de que sou apologista, que tem associado um envelope financeiro deficitário. É esse o motivo pelo qual Castanheira de Pera ainda não aceitou novas competência nas áreas da saúde, educação e acção social. Estamos em negociação e pensamos que o processo possa estar concluído no final de Março.
Na cimeira de Ansião, que recentemente juntou 29 municípios dos distritos de Leiria e Coimbra, ouviram- se vozes contra o centralismo de Lisboa. Partilha das críticas feitas?
A máxima de que Portugal é Lisboa, um pouco do Porto e o resto é paisagem continua a ser uma realidade. Isso traduz-se, por exemplo, nas candidaturas ao PRR [Plano de Recuperação e Resiliência], que estão muito focadas nas áreas metropolitanas. Se queremos, de facto, um território mais equitativo, isto não faz sentido. Temos de alargar oportunidades a outros territórios. O Estado também deve dar o exemplo com a descentralização de serviços públicos. Somos um País muito pequeno. Não faz sentido termos o nível de centralização que temos.
Das regiões para os municípios, há hoje muitos concelhos com menos de quatro ou cinco mil habitantes. Não faria sentido avançar com um processo de fusão semelhante ao das freguesias?
Sou contra. Concordo com o intermunicipalismo e com a necessidade de olharmos para os territórios além dos limites das fronteiras, criando parcerias com aqueles que nos são mais próximos e outros, até para termos uma oferta diferente, mas não concordo que se acabe com municípios. Isso seria afastar a política de proximidade dos cidadãos.
Depois do incêndio de 2017 muito se falou e anunciou sobre o ordenamento florestal, mas atravessando os concelhos atingidos percebe- se o muito que há a fazer. É uma batalha perdida?
Há, de facto, muito a fazer, mas não creio que seja uma batalha perdida. Depois do que aconteceu em 2017, criou-se a expectativa de que as mudanças acontecessem de forma mais imediata. Os sinais de recuperação vieram tarde. Por exemplo, só agora se estão a dar passos com a criação das áreas integradas de gestão da paisagem. No concelho, temos uma pequena percentagem de floresta autóctone a norte, mas predomina a monocultura de eucalipto. Não sofro de fobia ao eucalipto, que deve fazer parte da nossa economia, mas é necessário que se definam áreas onde isso possa acontecer e uma gestão integrada da floresta. O que nos falta é capacidade de gestão. Isso acontece porque não temos pessoas. Temos hoje mais eucalipto do que tínhamos em 2017, que cresce de forma descontrolada, sem qualquer tipo de gestão. Os municípios têm de dar o exemplo.
De que forma?
Há programas interessantes, até para o eucalipto. O Município de Castanheira tem áreas florestais que não estão cuidadas. Para exigirmos, temos de dar o exemplo. Vamos fazê-lo, promovendo uma hasta pública do pinhal que temos em terrenos camarários e, com essa verba, plantar folhosas. Não são áreas grandes, mas pode funcionar como um processo educativo junto da comunidade. Iremos também promover a criação de duas áreas de gestão integrada da paisagem. Há outras espécies que podem trazer mais-valias económicas. O castanheiro, por exemplo, tem um produto muito valorizado e no concelho temos condições naturais óptimas para apostarmos na fileira da castanha. Iremos apoiar os proprietários na aquisição de árvores e na preparação dos terrenos. Queremos criar um centro interpretativo da bacia hidrográfica das Quelhas, onde pretendemos ter um viveiro municipal, produzindo espécies em parceira com instituições do ensino superior.
Como pensa combater a sazonalidade turística proporcionada pela Praia das Rocas?
Temos de usar a Praia das Rocas, que já é uma marca consolidada, como cartão de visita para vender o nosso património natural e cultural. Estamos a trabalhar na criação de uma rede de percursos pedestres homologados, para tentar trazer para o concelho um mercado que já existe do outro lado da serra, na Lousã e em Góis. Temos um património único - o Santo António das Neves e a rota do gelo, que ia de Castanheira de Pera para a corte em Lisboa –, que queremos dinamizar, com a criação da confraria do neveiro.
O barrete é também uma marca de Castanheira de Pera.
Exacto. Queremos também valorizar o barrete. Já tivemos uma reunião com a Direcção Regional de Cultura do Centro para iniciarmos o processo de classificação do barrete como património imaterial e é nossa intenção criar um museu. Queremos também promover a requalificação do jardim Bissaya Barreto, através de um protocolo com a fundação. Em breve, retomaremos a obra da alameda das Rocas, que fará a ligação entre a praia e o centro da vila. Iremos também apostar em alguns eventos. Vamos retomar o Rally de Inverno, a realizar a 19 de Fevereiro, e a Feira da Juventude, criar um festival gastronómico em Abril e reforçar o Natal da Aldeia. Acredito que, com esta estratégia, conseguiremos fazer com que os turistas fiquem mais do que um dia em Castanheira de Pera, gerando receitas à economia local.
António Henriques, 42 anos, nasceu em Carregal Cimeiro, uma aldeia localizada às portas da vila de Castanheira de Pera. Formou-se em Engenharia Civil no Instituto Superior de Engenharia de Coimbra, área em que trabalhou em vários pontos do País. Esteve ligado ao projecto de infra-estruturas do regadio do Alqueva, aos sistemas de abastecimento em alta da Águas do Oeste e da Águas do Norte Alentejano e às obras do estádio de Leiria. No entanto, manteve-se sempre radicado em Castanheira de Pera. “Foi por amor à terra e por não querer deixar as raízes que optei por ficar”, diz António Henriques, eleito nas últimas autárquicas como presidente de câmara pelo Partido Socialista. Nos tempos livres, gosta de pescar e de jogar futebol com os amigos, matando saudades dos tempos em que vestiu a camisola do Sport Castanheira de Pera, clube onde foi guarda-redes.