Entrevista

Carlos Vaz Marques: “A rapidez extrema é inimiga daquilo que pode ser distintivo no jornalismo”

16 fev 2023 11:04

O antigo jornalista da TSF, que tem uma nova editora, diz que as redacções estão proletarizadas

Carlos Vaz Marques: “O mercado português é pequeno, e, portanto, as margens de comercialização de um livro são irrisórias para toda a gente”
Ricardo Graça

Natural de Lisboa, tem 59 anos e uma longa carreira como jornalista. A generalidade do público reconhece Carlos Vaz Marques da função de moderador do Programa Cujo Nome Estamos Legalmente Impedidos de Dizer, anteriormente Governo Sombra. E das entrevistas diárias na TSF, noutro programa de sucesso, Pessoal... e transmissível, onde conversou, por exemplo, com Xanana Gusmão, Agustina Bessa-Luís, o Dalai Lama e Caetano Veloso.

Na TSF, onde trabalhou 30 anos, criou também o segmento O Livro do Dia.

Antigo director da revista literária Granta Portugal, além de jornalista, várias vezes premiado, é tradutor e editor. Dirige a colecção de viagens da Tinta da China e no ano passado fundou a sua própria editora, a Zigurate.

Fotografia de Ricardo Graça.

A equipa do programa cujo nome estão legalmente impedidos de dizer. Foi o Carlos que os escolheu para ministros? Eles responderam a algum questionário?
Fui. Não houve nenhum questionário prévio, mas... tenho medo que eles não passassem nalgumas perguntas. Eu estava na TSF, tinha um programa de entrevistas, chamado Pessoal... e transmissível, cinco dias por semana, e as entrevistas davam muito trabalho a preparar. E, a certa altura, pensei: se eu tiver um painel fixo, falamos da actualidade e isso poupa-me a preparação de uma entrevista, sempre a alguém diferente. Portanto, não é nada virtuoso.

Eles estão desde o início.
Devemos ser o governo há mais tempo em funções do mundo, porque isto é desde 2008. Estando o Ricardo, o tom não pode ser muito formal, mas os outros dois também não são muito formais, e eu próprio estava a precisar de alguma informalidade. Essa ideia de informalidade foi aquela que primeiro, e antes de tudo, constituiu assim uma espécie de ADN do programa.

O Ricardo Araújo Pereira tem recusado a ideia de que o programa dele ao domingo à noite influencia o eleitorado. E o vosso programa?
De todo, não. O Ricardo Araújo Pereira tem, no programa dos domingos à noite, mais de um milhão de espectadores, nós temos para aí 50 mil.

Mas ajudam a formar opinião.
Vou responder com um provérbio que foi uma vez, numa entrevista, o Lobo Antunes que me transmitiu, um provérbio húngaro. “Qualquer pinguinha acrescenta, disse o ratinho. E fez chichi no mar”. O que é que eu quero dizer com isto? Claro que havemos de ter alguma, pequena, influência, como a nossa conversa também tem, mas não me parece que seja uma influência que vá mudar drasticamente o que quer que seja. No espaço público, há uma carambola permanente que nós nem podemos avaliar. Não é possível sabermos, as intervenções no espaço público, e ainda menos intervenções em pequena escala, é uma escala televisiva é certo, mas é uma escala, apesar de tudo, relativamente localizada, para um nicho, que efeito é que têm.

O jogo político em Portugal está condicionado pelo impacto mediático?
Não só em Portugal. É uma característica dos nossos tempos. E, mais ainda, se acrescentarmos ao mediático a ideia de que também são media as redes sociais, que vieram alterar tudo. Portanto, cada vez mais, sim. O Luís Paixão Martins fala muito disso no livro dele [Como Perder uma Eleição, da editora Zigurate, de Carlos Vaz Marques]. Há 20 anos, quando eu era repórter político, andei uns quatro ou cinco anos no Parlamento, e depois a acompanhar as coisas do PSD. Nós tínhamos uma notícia e guardávamos a notícia para o dia seguinte de manhã, porque tinha mais efeito.

Para o prime time da rádio.
Sim. Hoje já não se podem guardar notícias, porque, se nós não dermos, sairá por outra via daqui a um bocadinho. Já não há prime time. A qualquer momento, qualquer coisa é posta a circular e pode-se tornar uma bola de neve, com facilidade. A qualquer hora do dia e às vezes da noite.

No sector do livro, também parece existir uma relação entre o mediatismo do autor e a quantidade de vendas.
Também, sem dúvida. O livro mais vendido neste momento é o do príncipe Harry. Acho que estamos num momento em que cada um terá de fazer a sua avaliação na ponderação entre quantidade e qualidade. Vou dizer uma banalidade, mas tem de ser. Por vezes, livros que passam completamente despercebidos são grandes livros e livros que estão no top durante semanas a fio são uma grande bosta, o que não quer dizer que os que estejam no top semanas a fio sejam necessariamente uma grande bosta nem que livros que passem despercebidos sejam todos excepcionais. A equação é tão complexa que há muito mais variáveis do que estas da relação quantidade qualidade.

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