Entrevista

Entrevista | Luís Costa Ribas: "Trump tem estado a dar conforto moral a neo-nazis e racistas"

28 jun 2018 00:00

Correspondente da SIC diz que a voz na Casa Branca é o combustível para o ressurgimento de conflitos raciais nos EUA.

O que mais admira nos Estados Unidos? 
Serem o quartel-general da Humanidade. Têm lá tudo. O que há de melhor, o que há de pior e tudo entre esses dois pontos. 

Trocava o estilo de vida americano por outro modelo de sociedade? 
Já estou muito habituado. Há um grande sentido de liberdade e ao mesmo tempo de privacidade. É um país grande, com espaço, não estamos todos em cima uns dos outros. Eu gosto disso e gosto de as oportunidades estarem lá para nós as aproveitarmos. Tive oportunidade de fazer coisas nos Estados Unidos que nunca teria tido oportunidade para fazer aqui. Consegui entrar no Pentágono e alguém me passar um dossiê vermelho marcado como secreto com informações que eu queria para uma reportagem. Nunca teria conseguido fazer isso no Ministério da Defesa em Portugal, porque não tem esse tipo de relação com a imprensa. 

Se as eleições fossem hoje, Trump era reeleito? 
Não sei, mas é bem possível, porque neste momento ainda não se perfila nenhum candidato forte que lhe possa fazer frente. Não é de excluir a hipótese de ele ser reeleito. 

A guerra comercial com a China, e as medidas proteccionistas do lado da economia, têm o apoio dos eleitores? 
Em geral as pessoas não entendem o suficiente, há, sobretudo, muitos indecisos. Haverá com certeza mais pessoas contra quando perceberem que a guerra comercial tem mais desvantagens do que vantagens. Mas Trump acha que isso lhe dá o ar de homem de barba rija que está a dar o murro na mesa e a pôr toda a gente na ordem. E para a sua base eleitoral, isso funciona. 

O ritmo de crescimento económico está a corresponder às expectativas? 
Até agora não estragou nada. Barack Obama herdou uma crise económica brutal, a grande recessão de George W. Bush, com o desemprego a bater nos 10% pouco depois de Obama ter tomado posse, e Obama deixou uma taxa de desemprego próxima dos 4%. A linha descendente do desemprego tem vindo a continuar, o crescimento não está tão acelerado porque aquela euforia do ano passado era na expectativa das alterações que iam ser feitas à lei dos impostos, e do aumento da competitividade das empresas, através, sobretudo, da eliminação das suas obrigações, não só laborais, mas também ambientais. No fundo, tudo aquilo que Obama fez ele quer desfazer. Se Obama disse as empresas não podem poluir, ele diz que as empresas podem poluir. Há um retrocesso claro. 

A desvalorização dos acordos relacionados com as alterações climáticas é um aspecto para o qual a sociedade americana está sensibilizada? 
Há quem esteja e quem não esteja. Há pessoas que percebem, sobretudo quem vive na costa, com a subida do nível das águas do mar. Em Boston, onde eu moro, houve cheias como nunca tinha havido, agora no último inverno. O interior rural da América, onde Trump é muito popular, não se preocupa com isso. Eu acho que não podemos ser os nazis do meio ambiente, mas também não podemos ser exactamente o oposto. Há que haver um equilíbrio que permita defender o meio ambiente sem isso ser tão oneroso que ao fim ao cabo arruina toda a gente. Quer dizer, há uma maneira de equilibrar os interesses empresariais e dos consumidores e de preservar o meio ambiente. É esse equilíbro que se estava a tentar procurar em administrações anteriores e que está a desaparecer. 

Como é que se explica que a votação em Donald Trump também venha de uma parte da comunidade imigrante? 
Não é muito expressiva, mas em todo o caso, há sempre imigrantes, sobretudo aqueles que já tiveram algum sucesso, que acham que podem ter mais sucesso esquecendo-se de onde vieram. 

Alguns deles luso-descendentes. 
Também. Há congressistas luso-descendentes que são os maiores apoiantes de Donald Trump. 

A questão das armas e o discurso contra os imigrantes ilegais são sintomas de um país violento e com conflitos raciais? 
Sim, há conflitos raciais nos Estados Unidos. Não são tão graves como há uns anos, mas está a piorar porque Donald Trump tem estado a dar conforto moral a neo-nazis e racistas e eles perderam a vergonha, sentem-se à vontade para se expressarem em público outra vez. A questão das armas não está directamente relacionada, agora, havendo mais problemas sociais, poderá aumentar o tipo de crimes que se podem considerar crimes raciais. A questão das armas de fogo é porque os Estados Unidos, realmente, são uma sociedade violenta. Há tiroteios constantes. E cada vez que há um tiroteio o lobby das armas consegue convencer os políticos que a solução para os tiroteios é haver mais armas porque se as pessoas se puderem defender matam os bandidos. Claro que quanto mais armas houver, mais violência haverá, mas os Estados Unidos estão viciados. E todo o vício é irracional – e o vício americano pelas armas é irracional. Porque a constituição, na segunda emenda, garante o direito ao uso e porte de armas, mas não sem regulamentação. Não tem havido coragem política. 

Diria que se vive uma situação de ressurgimento do racismo? 
Há, porque o exemplo vem de cima. É a própria voz na Casa Branca que contribui para isso, com insultos constantes. E não é só em relação aos negros, é em relação a toda a gente que é diferente. Chamar animais aos imigrantes ilegais, por exemplo. Há um ambiente social que está a deteriorar-se. Sempre foi uma das grandes vantagens dos Estados Unidos, a capacidade de serem tolerantes e abrangentes. Mesmo com problemas, havia sempre uma reserva de tolerância e de compromisso que se sobrepunha às crises e ajudava a estabilizar as coisas. Agora há menos. 

A eleição de Donald Trump é mais surpreendente para os europeus e para o resto do mundo do que para os americanos? 
Também foi uma grande surpresa para os americanos e, a crer naquele livro Fire and Fury, até para o próprio Trump. O discurso que ele faz, o discurso de vitória na noite das eleições, é um deserto, é de uma pessoa que não sabia o que havia de dizer. Acho que ele não estava preparado para ganhar. Foi só mais tarde que conseguiu organizar-se. 

Há aspectos da personalidade dele que fazem sentido para os americanos e são difíceis de compreender para os europeus? 
Fazem sentido para a base de apoio dele. Para a maioria dos americanos não, porque 60% dos americanos continuam a ter uma ideia negativa dele e da sua presidência. Há milhões de americanos para quem nada daquilo faz sentido. 

Há mais semelhanças ou diferenças entre Donald Trump e o líder da Coreia do Norte
O Kim Jong-un é o ditador que talvez o Trump gostasse de ser. Não sei se Trump mandaria matar os adversários, tenho dúvidas, mas pelo menos mandava prendê-los. Ele gostaria de ter aquele poder absoluto que Kim Jong-un tem e que toda a gente fizesse aquilo que ele man

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