Entrevista

Entrevista | Paulo Félix: “Levo quem considero ser melhor, o que pode não ser consensual”

10 ago 2018 00:00

O seleccionador nacional de andebol de praia vê enorme potencial de crescimento da variante em Portugal. Fala da dificuldade da tarefa que tem em mãos e das perspectivas de futuro

A época de pavilhão vai começar e pela primeira vez em duas décadas não vai orientar qualquer equipa. Qual foi a razão para se dedicar em exclusivo ao andebol de praia?

Neste momento, a praia está com muita actividade. Vamos estar presentes nos Jogos Olímpicos da Juventude, uma competição que será em Outubro, mas toda a preparação será em Setembro, pelo que não faria sentido estar a orientar uma equipa de pavilhão e passar dois meses fora. Além disso, entregámos um planeamento para começar a trabalhar com seniores masculinos e femininos em Dezembro. Não é difícil perceber que não há tempo para tudo. Sendo possível, seria uma questão que me iria levantar imensos problemas e em algum lado iria sair a perder. Vai ser um ano muito importante para o andebol de praia e prefiro fazer esta paragem, o que não quer dizer que no ano seguinte não volte.

Que balanço faz do campeonato nacional que decorreu na Nazaré?

Achei-o muito interessante. O nível de jogo está altíssimo. Em seniores masculinos tivemos uma campeã nacional (Os Repetidos) que pouca gente esperava. Uma equipa que existe há muito tempo, tem jogadores experientes e qualidade de jogo, mas foi uma surpresa. Em seniores femininas, As Gordas renovaram o título. Já no ano passado estava muito forte e este ano apresentou uma superioridade muito grande. Nas equipas mais jovens já se vêem muitas coisas interessantes, um nível de jogo interessante e já sabem o que estão a fazer dentro de campo. Curiosamente, fui assistir a uma etapa do circuito regional do Porto e achei muito interessante a dinâmica do escalão sub-15, que em Leiria ainda tem pouquíssima expressão. No Porto já se vêem atletas de qualidade, já a trabalharem muito bem com os apoios, que é o que mais difere entre o trabalho de praia e o do pavilhão. É fundamental antecipar o início do processo de formação. O nível de jogo nos escalões jovens tem aumentado e, por consequência, o nível de jogo nos seniores também vai aumentar em pouco tempo. O futuro está assegurado.

É muito fácil haver surpresas.

Sim, o andebol de praia depende muito do factor sorte. No recente Campeonato do Mundo, a Suécia ficou em quarto lugar, após ganhar à Rússia e ao Brasil. A base dessa selecção é o Gotemburgo, que esteve na etapa do circuito europeu na Nazaré e ficou em nono lugar, atrás de uma série de equipas portuguesas. Significa que é muito provável haver surpresas no andebol de praia, mas também realça a qualidade do andebol de praia que se joga em Portugal.

Concorda com a forma como está organizado o campeonato, que começa com circuitos regionais e termina com as melhores equipas juntas numa fase final nacional?

O ideal seria fazer um circuito nacional em que estivessem as melhores equipas, com quatro ou cinco etapas, até para descentralizar um pouco das zonas de Leiria e do Porto. Levar o andebol de praia ao Algarve e a Lisboa, por exemplo. As equipas fariam os fins-de-semana com mais competição, jogando sempre contra adversários fortes. Ou seja, os melhores jogavam mais vezes com os melhores. Como é óbvio, sendo o ideal, seria mais dispendioso.

Participou no primeiro torneio de andebol de praia, há 25 anos, na Praia do Pedrógão. O que mudou neste quarto de século?

Mudou muito, a começar pelas regras. Na altura não havia piruetas e o contacto era quase tão permitido como no andebol indoor. Há muita gente que não concorda com estas novas regras, mas penso que defendem o espectáculo e protegem os atletas. Esta questão do contacto é muito importante, porque os atletas de praia são quase todos atletas de pavilhão e os clubes têm sempre algum receio e esta questão do contacto acaba por proteger os atletas. É um processo que ainda não acabou, as regras continuam a ser mudadas e o mais importante é estabilizá-las o mais depressa possível, até porque quer ser modalidade olímpica sénior. Será modalidade de exibição em 2020 e a ideia é entrar definitivamente em 2024.

No andebol de praia a família está muito mais próxima dos jogadores do que no pavilhão. Acabam por ter papeis de dirigismo e de acompanhamento das equipas. Há, pois, uma menor distância relativamente aos treinadores e até aos seleccionadores. Já sentiu algum tipo de pressão para escolher determinado jogador para as selecções?

Essa questão dos familiares passa-me ao lado. Sei que acontece, mas não me influencia. Conheço muito bem os pais de vários atletas, sou de Espinho e vivo em Leiria, duas das cidades mais fortes na modalidade. O meio do andebol não é muito grande e o do andebol de praia mais pequeno é. Pressão não sinto, mas realmente percebo que fica sempre alguma coisa no ar. Como é óbvio, não posso pensar nisso. Levo quem considero ser melhor, o que pode não ser consensual. Tenho uma tarefa difícil, porque uma equipa são dez jogadores. Além de escolhermos os melhores, temos de equilibrar a equipa. No andebol de praia ataca-se e defende-se. O modelo de jogo implementado acaba por ser fundamental para equilibrar a equipa. Muitas vezes, os melhores a atacar desequilibram a equipa se não defenderem.

Soube-se esta segunda-feira que a equipa feminina de sub-18, apesar de apurada, não irá aos Jogos Olímpicos da Juventude. Ao invés, os rapazes irão a Buenos Aires.

Não é uma decisão justa, porque a selecção feminina fez uma qualificação fantástica e é realmente a selecção apurada. Foi vice-campeã europeia e quarta classificada no Mundial, mas como o comité organizador estabeleceu a condicionante de cada país poder apenas participar com uma selecção, por género, nas modalidades colectivas, acabaram por ficar de fora em detrimento do futsal feminino. Os rapazes também se apuraram, mas posteriormente, porque houve um alargamento da prova.

Ficou revoltado?

Claro. Esta selecção mereceu muito, teve um percurso brilhante na qualificação e revolta-me a forma díspar como foram feitos os apuramentos. Não faz qualquer sentido.

Como foi a reacção das meninas?

Estão destroçadas. Os rapazes ficaram algo surpresos e estão tristes por elas, mas com vontade de honrar o grupo feminino nos Jogos Olímpicos da Juventude.

A Federação não deveria tomar uma posição e simplesmente não ir?

Penso que não, porque na verdade os critérios foram cumpridos. Estão é mal feitos de início.

Portugal vai regressar às competições seniores no Europeu de 2019, na Polónia. Vão estar jogadores de Leiria?

É muito provável. Há muita qualidade e posso garantir já que há atletas de Leiria num conjunto alargado de vinte para observação. No entanto, nesse grupo estão atletas que não sei se vão poder estar. São atletas de pavilhão, alguns de 1.ª Divisão e essa é uma dificuldade que terá de ser a Federação a resolver e a perceber se há disponibilidade. Se o clube não autorizar temos de seguir para outros.

Como tem sido essa disponibilidade?

Não temos tido problemas. Só tivemos agora um, num estágio da selecção feminina, mas por causa de umas alterações no planeamento do indoor. O estágio de praia acabou por ser num momento importante da época de seniores femininos e houve três atletas que o clube, a Juve Lis, não autorizou. A partir daí não as observei, logo aí ficaram prejudicadas, mas não imediatamente excluídas. Acabei por chamar só uma à competição, que era a que melhor conhecia. De resto, não tem havido problemas. Os clubes até têm usado as redes sociais para mostrar satisfação pelos resultados dos seus atletas. Por isso, acredito que estão completamente ao lado do andebol de praia.

O andebol indoor ainda é prioritário?

No Europeu de sub-18 tivemos atletas que não puderam estar presentes porque havia competição em simultâneo da selecção de pavilhão. Tem havido contacto regular entre mim e os seleccionadores indoor para articular as coisas. Como é óbvio, fico a perder quando isso acontece. A equipa baixa muito, mas sabia à partida que seria assim.

Tendo em conta essa situação caminha-se para uma especialização do jogador de andebol de praia?

Talvez noutros países como o Brasil, mas na Europa não me parece possível. Quando estou lá fora, em conversa com seleccionadores de outros países, todos concordam que um atleta de praia terá de ser um atleta de pavilhão que dê enorme consideração à praia. Não há competição regular de andebol de praia durante o ano inteiro e o atleta tem de manter a forma. Por isso, se for a jogar an

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