Saúde

Coordenador nacional diz que programas da saúde mental falharam por culpa do poder político

8 mai 2023 20:14

Miguel Xavier defende a duplicação do investimento nesta área

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Miguel Xavier afirma que a falta de investimento faz com que as equipas comunitárias de psiquiatria não estejam completas
Ricardo Graça

"Quando disse há uns meses que o budget dedicado à saúde mental precisava de, pelo menos, duplicar, não imaginam os telefonemas que tive. Hoje volto a reafirmar que, de uma forma ponderada, a médio prazo, no mínimo, temos de duplicar o budget dedicado à saúde mental.”

O desafio foi deixado hoje pelo coordenador nacional das políticas da Saúde Mental, Miguel Xavier, que esteve hoje no Encontro de Saúde Mental do Centro Hospitalar de Leiria, e ainda apontou o dedo ao poder político pelo falhanço dos programas nacionais anteriores.

“A primeira barreira à implementação dos programas nacionais anteriores é o apoio político sustentado. As três reformas anteriores de saúde mental que houve em Portugal abortaram todas por motivos políticos. Ou há um apoio sustentado do ponto de vista político, ou então é tudo muito difícil”, afirmou o responsável pelo novo Plano Nacional de Saúde Mental.

Miguel Xavier considerou ainda que o Plano de Recuperação e Resiliência “não é uma bazuca”, mas “uma fisga”.

“Dá para alguns remendos, mas não dá para tudo. Temos 15% da carga da doença mental em Portugal e temos um orçamento de 5%. Enquanto isto não mudar, não muda nada. É por isso que faltam psicólogos nos centros de saúde, faltam equipas comunitárias completas e vários serviços do nosso país ainda não têm unidades de internamento”, acrescentou.

O responsável entende que é importante “encontrar aliados na comunidade”, pessoas que “são capazes de fazer pressão” que os profissionais de saúde não podem fazer e criticou ainda “um sistema de informação, que é absolutamente trágico”.

“Quando quero saber alguns indicadores de saúde mental, a maneira mais fácil é perguntar aos jornalistas. Se for tentar encontrar essa informação no Serviço Nacional de Saúde posso demorar uma semana ou duas. Isto não pode acontecer”, lamentou.

Além disso, o coordenador afirmou que existe um “deficit agudo de recursos humanos” na área da saúde mental.

“Não precisamos de muitas máquinas. Precisamos de profissionais para trabalhar e a maior parte não médicos. Esta vai ser a nossa tarefa em termos de desafio global para os próximos quatro ou cinco anos”, disse.

A reforma da saúde mental em Portugal “deve ser a mais atrasada da Europa e aquela que tem mais retrocessos”. “Estamos na quarta tentativa. Estamos muitíssimos preocupados em garantir que não tenha retrocessos”, acrescentou Miguel Xavier.

Olhando para os anteriores planos, Miguel Xavier, que assumiu ter sido um dos autores do programa de 2007, criticou que o documento estivesse “quase totalmente centrado na doença mental grave, esquecendo tudo o resto”.

“A segunda crítica que faço é que era um plano que não tinha orçamento. Ninguém faz planos sem orçamento. E isto é um exemplo clássico do que temos de mudar”, alertou, ao considerar que “não se podem colocar coisas debaixo da cama”, aludindo a áreas que “ninguém queria falar”.

Miguel Xavier precisou: as crianças nos centros educativos, a questão da deficiência ou a psicogeriatria.

O coordenador defendeu ainda a descentralização dos poderes, pelo que uma das medidas que foram tomadas foi a criação de núcleos executivos em cada região do país, e desafiou os profissionais de Leiria a constituírem um conselho consultivo com pessoas da comunidade.